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segunda-feira, agosto 29, 2005

enquete:

domingo de manha. vc jura que a namo nao saiu com vc no sabado a noite por causa do retiro de meditacao no centro de budismo. o telefone toca:
- e aih? encontrei fulana na festa da ciclana ontem. que que vc ficou fazendo em casa no sabado a noite?

- limpando o meu 38.

...

que resposta vc daria?

quarta-feira, agosto 17, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES

Parte 5


Josefa está deitada no chão, sem camisa, peitos enfaixados, gotas escorrendo pelo rosto, suor e sofrimento. Inês olha pro nada, sentada da sua poltrona. Estela passa batom. Sem olhar, Inês fala.

INÊS
Tá borrado.

ESTELA
Hein?

INÊS
O batom. Tá borrado.

ESTELA
Onde?

INÊS
Aqui... Tudo.

ESTELA
Merda, como eu vou passar batom se eu não tenho espelho?

INÊS
Não passa.

ESTELA
Sua invejosa, você quer que eu fique pálida e abatida pra não afuscar a sua estonteante beleza, né?

INÊS
Claro. Pra disputar o amor da múmia aqui.

JOSEFA
Qualé, eu to quieta aqui no chão, não precisa ofender...

INÊS
Desculpe. É que essa Tetéia é muito chata.

ESTELA
Eu não tenho culpa se você não tem vaidade. Alguém tem uma colher pra eu poder ver se tô passando o batom direito?

Josefa levanta-se, pára na frente de Estela, cara a cara.

JOSEFA
Faz o seguinte: eu fico como seu espelho. Você passa o batom e eu mostro, no meu rosto, onde fica borrado ou não.

ESTELA
Querida, você não chega aos pés do meu espelho...

JOSEFA
É isso ou nada. Pode ficar igual ao Robert Smith se quiser.

ESTELA
Peraí, peraí. Ok, vem cá.

Estela passa batom, Josefa percorre o caminho da maquiagem com o dedo, indicando onde borra ou não. Inês observa. A música insiste, a estátua ignora, o feijão esfria, nem o trim corta o ar, cada vez mais denso.

INÊS
O espelho...

As duas viram-se ao mesmo tempo e dizem:

JOSEFA
O que é que tem?

ESTELA
O que é que tem?

Silêncio. Inês repete.

INÊS
O espelho. Tudo não passa de um grande jogo de espelhos...

Josefa e Estela voltam a se olhar. Espantadas sem saber direito por quê.

INÊS
Olhando daqui dá pra perceber. Vocês são a mesma pessoa. A mesma alma. As mesmas frases e reações, os mesmos excessos.

ESTELA
Credo, Inês Gotável, você está querendo me comparar com esse troglodita que parece que teve um entorse no mamilo, enfaixada desse jeito?

INÊS
Sim, estou. E comigo também, pra sua alegria. Porque quando você consegue olhar além das aparências, coisa que não deve ser fácil pra você, dá pra notar uma série de coisas em comum.

ESTELA
Querida, não seja ridícula, olha a sobrancelha dela, nunca viu uma pinça, como você pode me comparar a isso? Cite uma semelhança que seja.

INÊS
A personagem.

ESTELA
Que personagem?

INÊS
A sua. Essa “pseudo-feminilidade” que você representa. Assim como a “pseudo-masculinidade” que ela representa. Assim como o “pseudo-equilíbrio” que eu fico representando. Tudo está se diluindo, você percebe?

ESTELA
Ene-a-ó-til-não. A minha feminilidade não se diluiu porque não é pseudo. Essa sou eu.

INÊS
Essa não é você. Essas somos nós. Quem se expôs aqui até agora? Quem desvia o assunto o tempo todo para os outros? A morte da sua personagem, Tetéia, é uma questão de tempo.

JOSEFA
A morte da personagem! É isso! Não adianta a gente morrer, só sairemos daqui quando nossas personagens morrerem. Quando morrermos de verdade.

INÊS
Brilhante dedução, Zé. E se continuamos aqui é porque nem toda a verdade foi dita. No que me diz respeito, eu contei tudo. Foi humilhante e deprimente, mas eu contei.

JOSEFA
Eu também.

ESTELA
E eu também, fofas.

INÊS
Você não contou nada, Tetéia. Você só disse que tava num provador da Gap pensando na Shane. Que eu saiba, isso não mata ninguém.

ESTELA
Ai como você é chata.

INÊS
Não desvia o assunto, eu tô de saco cheio de ficar aqui.

ESTELA
Eu já disse tudo o que aconteceu.

INÊS
Você está borrada.

ESTELA
De novo?

INÊS
Não só o batom, tudo! Você está borrada, suas memórias, sua verdade e sua vida são um grande borrão. Está na hora de deixar as coisas mais nítidas.

Estela se joga na poltrona, fecha os olhos e os ouvidos e começa a cantar bem alto, tentando ignorar a pressão que as outras duas fazem.

ESTELA
Uma tigresa de unhas negras, íris cor de mel...

Quando ela tira as mãos dos ouvidos e abre os olhos, Josefa e Estela continuam olhando incisivamente para ela.

INÊS
Nós temos todo o tempo do mundo pra esperar.

Estela se fecha de novo.

ESTELA
Não demora muito agora, todas de bundinha de fora...

Abre os olhos e as duas continuam lá. Impassíveis. Inês senta-se na poltrona de Estela. Abraça Estela que, desconfortável, cede aos poucos. Estela deita-se no colo de Inês.

INÊS
O que está aqui dentro (Inês põe o dedo na testa de Estela), por trás de tudo? Você sabia que só existem 2 pessoas no mundo capazes de entender o que aconteceu? Capazes de perdoar você?

ESTELA
Minha mãe e a sapa da biblioteca que queria me comer e me proteger?

INÊS
Não. Eu e o Zé. Só a gente.

ESTELA
Por que?

INÊS
Porque nós somos o seu espelho. Por isso sabemos que algo de diferente aconteceu aquele dia no provador da Gap. Por isso insistimos tanto que você conte. Porque a gente sabe, a gente sente e a gente aceita. O que quer que seja.

Deitada sobre as pernas da outra, Estela fecha os olhos e respira fundo. Sente cheiro do Carefree de Inês. Junto com uma lágrima, deixa escapar uma frase.

ESTELA
Não era da Gap. Era da C&A.

JOSEFA
Ah, eu tenho uma blusa da C&A!

INÊS
Eu também.

ESTELA
Eu estava experimentando uma cueca. Eu me acho sexy de cueca.

JOSEFA
Deve ficar uma delícia mesmo.

ESTELA
Mas não era só isso. Eu poderia experimentar cuecas na Marisa, na Pernambucamas, até na Zara, se eu quisesse. Mas é que tinha uma mulher, uma gerente da C&A, eu passava mal com ela. Ela era linda, tinha olhos verdes, cabelo meio curto, meio comprido, falava baixo e pouco, sem olhar nos olhos, sentava de pernas abertas. Um dia eu até a vi dirigindo uma pick up velha com o cotovelo pra fora...

INÊS
Hmmm!

JOSEFA
Eca.

ESTELA
Eu era apaixonada por ela. Ia na C&A a toda hora e sempre procurava alguma peça que não tinha do meu tamanho pra ter uma desculpa pra falar com ela.

INÊS
Nossa, que técnica eficaz.

JOSEFA
Deixa ela falar.

ESTELA
Um dia eu tomei coragem e deixei um recado no espelho do provador escrito com batom, um convite para um café e meu telefone. Claro que eu deixei um cartão telefônico junto pro caso do celular dela ser pré-pago e estar sem crédito. Ela me ligou, saímos, tomamos capuccino, jogamos pedrinhas no lago do Ibirapuera, fizemos tiro ao alvo no Playcenter. Ela ganhou uma perereca de pelúcia, beijou e me deu. Naquele dia, ela nem voltou pra casa. Foi morar comigo.

JOSEFA
Que romântico!

INÊS
Que lésbico!

ESTELA
Íamos fazer...

INÊS
Inseminação artificial!

ESTELA
Como você sabe?

INÊS
Tive um insight. Nossas almas são gêmeas, lembra?

ESTELA
Ahn... Estava tudo pronto pra inseminação. O porteiro do prédio ia vender o esperma por 100 reais. Compramos várias revistinhas de sacanagem pra ajudá-lo na tarefa. Já tínhamos até acoplado uma seringa com a sementinha dentro do pinto do cinto, pra que ela pudesse literalmente gozar dentro e fazer um filho em mim.

JOSEFA
Que romântico!

INÊS
Que lésbico!

ESTELA
Que seja. Bom, eu estava montando o cenário pra essa noite especial enquanto a Jack não chegava...

JOSEFA
Jack?!

INÊS
Jack?!

ESTELA
É, Jaqueline. Enquanto ela não chegava do trabalho eu enchi a casa de velas aromáticas. O porteiro inclusive teve que bater punheta no banheirinho dos funcionários atrás da portaria porque o cheiro das velas fez ele enjoar e vomitar no lavabo. E eu caprichando nos preparativos. Pus a mesa com a louça especial de festa e os talheres que ficam no faqueiro de caixa de madeira trancada a chave. Tinha shiitake de entrada e 3 pratos na mesa: um pra mim, um pra ela e um terceiro com o esperma. Íamos comer ostras, que estavam descongelando em cima da pia, com molho branco, farofa e feijão. Eu estava ansiosa pela noite mais especial de nossas vidas. Ouvi o motor do mercedes parando lá embaixo...

INÊS
Ela tinha um mercedes?

ESTELA
O ônibus que ela pegava era mercedes. Ouvi quando ele parou no ponto que fica em frente ao prédio onde moramos e fui ansiosa olhar pela janela.

INÊS
Ah, tá.

JOSEFA
E aí?

ESTELA
Ela desceu do ônibus, mas não desceu sozinha. Junto com ela estava uma loira. Elas descem de mão dadas...

INÊS
Pãtz.

Estela engole em seco.

ESTELA
Elas descem de mãos dadas, olhando para os lados. Jack leva a loira para trás da casinha onde ficam os butijões de gás. Lá, ninguém poderia vê-las. Ninguém, exceto por mim.

INÊS
Tetéinha...

ESTELA
Eu posso me garantir contra qualquer mulher, sabe? Eu sei cozinhar, lavar, passar e dar de quatro. Mas a loira simplesmente se ajoelhou e fez um boquete na Jack, como se ela fosse um homem. E isso nunca tinha me passado pela cabeça! Jack gozou em 3 segundos! Como eu nunca pensei nisso antes? Que tipo de mulher eu sou? Que burra!

INÊS
Calma, Té, a gente não pode pensar em tudo...

JOSEFA
Mas foi uma bela idéia...

ESTELA
Eu tinha que ser a mulher perfeita! Eu tinha que ser gostosa e também inteligente e rica! Aí vem uma suburbana qualquer e rouba o meu macho com um boquetinho de 3 segundos? Foi o fim, entende? Eu, derrotada por uma garota com uma camiseta da C&A cheia de apliques de tachinhas e lantejoulas que provavelmente nem terminou o colegial!

INÊS
Camiseta de tachas e lantejoulas é foda mesmo...

ESTELA
Pois é! E como eu ia criar um filho? Com que valores? Pra mim estava tudo acabado. Vesti um tutu de bailarina, coloquei uma música e pulei pela janela abraçada ao pinto da Jack, que graças a deus, ela não tava usando naquele momento. Enquanto eu mergulhava na morte, ouvia o refrão ficando cada vez mais longe... (Estela canta) “Saio da cidade, procuro só a escuridão, a purificação na calada noite preta. Eu fecho os meus olhos, a cama e o coração, perdido entre um sim e um não, na calada noite preta. Deus, deus, deus, aonde eu vim parar, à noite preta vou me entregar. Calada noite preta, noite pretaaaa...”

Lágrimas calmas navegam pelo rosto de Estela. Josefa olha pra ela eternecida. Tira sua faixa do peito para enxugar o rosto e a alma de sua amiga, seu espelho. O sofrimento de todas era o sofrimento de cada uma. Inês não se move, os olhos parados no nada. Sussura pra ninguém ouvir, e todas ouvem retumbantemente.

INÊS
O inferno não somos nós. O inferno é a outra.


continua...

segunda-feira, agosto 08, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES

Parte 4


Depois de chorar por uma meia hora, Inês está imóvel na sua poltrona. Estela arranca as cutículas com as unhas. Josefa começa a falar.

JOSEFA
Enquanto vocês discutiam, eu fiquei pensando numa coisa.

ESTELA
No que?

JOSEFA
Naquilo que você falou sobre infernizar.

INÊS
Que eu infernizo ela, coitadinha.

ESTELA
Não sou bem eu que estou fazendo cena de coitadinha.

JOSEFA
Calem-se, mulherzinhas. Dá pra me escutar?

ESTELA
Fala chefinho.

JOSEFA
Você falou que ela estava aqui para te infernizar. Talvez esteja mesmo, afinal, aqui é o inferno. Talvez nós tenhamos sido colocadas aqui com o objetivo de infernizar uma a outra até que a gente aprenda alguma coisa sobre a vida.

INÊS
Ou morte.

JOSEFA
Como quiser.

ESTELA
Uma lição?

JOSEFA
Pode ser, uma lição, uma compreensão, um flash de lucidez como diria Clarice.

ESTELA
Mentira que você sabe ler!

JOSEFA
Inês, preste atenção: você chegou aqui altiva, cheia de razão, dona da verdade e vítima de uma psicossapa. Mas a sua convivência com Estela fez você entrar em contato com o que realmente aconteceu na sua morte e encarar a sua própria fraqueza. Você não sente em paz agora?

INÊS
Pra falar a verdade, sim. Me sinto livre da minha vida, da imagem da perseguida de Guina me perseguindo, da vergonha de ser corna, da posse. Agora não tenho nada a perder.

JOSEFA
É por isso que estamos aqui. Infernizamos uma à outra até encontrarmos a nossa verdade pra podermos descansar em paz.

ESTELA
Ah, que ótimo saber disso. Fico muito feliz de saber que promovi a paz interior dessa cretina arrogante. Mas me diga só uma coisinha: por que diabos continuamos aqui? Se esse fosse o objetivo, já estaríamos livres pra perambular pela vida eterna. Mas não. Continuamos aqui, sentadas nessas poltronas horrorosas de korino, com essa estátua cafona com a cara da Zélia Carolina e o corpo da Zizi Miranda, OUVINDO ESSA MÚSICA HORRÍVEL, INSUPORTÁVEL, MELEQUENTA!

JOSEFA
Talvez ainda falte algo.

ESTELA
Faltar o que? Um torneio de sinuca? Um campeonato de cuspe? Ver quem tem a maior dilatação? Eu já contei como morri, você também, a vaca que chora também, e nada aconteceu!

JOSEFA
Talvez eu não tenha contado toda a verdade...

ESTELA
Sério, amiga? Aconteceu algo mais naquele rafting além de entrar água na sua lanchinha 44 bico largo?

JOSEFA
Por que você é tão cruel? Onde você quer chegar com esse sarcasmo e esse tom de crítica e reprovação? Provar pra gente que apesar de loira, patricinha e passiva você é capaz de gerar pensamentos lógicos com começo, meio e fim? Nossa, que legal. Você quer que a gente tenha a mesma opinião que você? Qual é o seu problema porque parece que o nosso você sabe, né?

ESTELA
Uiuiui, quanta macheza pruma mocinha do seu tamanho.

JOSEFA
O que você está insinuando, Estela?

ESTELA
Eu não estou insinuando. Eu estou sendo bem clara. Aliás, comigo as coisas são assim, bem claras. Inclusive eu não tenho o menor problema com o que eu sou: uma mulher.

JOSEFA
Só podia ser isso...

Estela imita Josefa com a voz forçadamente grossa.

ESTELA
“Só podia ser isso...” (Volta a falar normalmente, mas com raiva.) A Zélia Carolina tem voz grave. Você finge. O meu pai gosta de futebol. Você finge. O Tom Cruise tem um pau no meio das pernas. Você finge. Você só finge!

INÊS
O Tom Cruise foi um mau exemplo.

ESTELA
Tem razão. A Magic Paula, talvez?

JOSEFA
Eu não finjo. Eu me sinto assim. Você não entende. Ninguém entende.

ESTELA
Claro que ninguém entende, amor. Você é uma mulher. Mu-xx-lher. Dois cromossomas X, duas tetas, uma vagina, amor. Mu-lher. Não importa o quanto você tente, isso não vai mudar.

JOSEFA
Existem tratamentos...

ESTELA
Claro, existem tratamentos. Você pode enxertar um pênis e tomar hormônios. Assim como você pode lixar seus dentes, bifurcar a sua língua, implantar chifres de silicone e nunca, jamais, nem passando por mil cirurgias, se tornar um lagarto. O resultado dessa operação, minha querida, não é um pênis, é uma cicatriz pendurada entre as suas pernas, um quelóide gigante, um...

INÊS
Tetéia chega!

ESTELA
Nossa, parece que temos dois homens na sala.

ESTELA
Você não percebe quando passou dos limites? Você não percebe quando está magoando uma pessoa? E sem motivo nenhum!

ESTELA
Ela é uma louca, uma freak! É por causa de travestis como ela que as pessoas acham que nós, lésbicas, somos pessoas com problemas. Porque ninguém sabe que existem lésbicas como eu ou até você, vai, que parecem pessoas normais. Na hora H, o que aparece, é isso, esses seres híbridos com voz fina, tabacow colado na cara e uma meia dentro da calça.

JOSEFA
Meia? Como meia? Você sabe o quanto eu gastei nesse pacotinho de silicone holandês?

Josefa vai tirando o pinto pra fora, Inês interrompe, tenta pôr o pinto de volta para a calça.

INÊS
Zé, guarda isso, agora não, calma...

Inês acalma Josefa, mas não larga o pinto.

INÊS
Calma, relaxa, ela só tá te provocando, não perca o controle, eu sei o que tem aí, no fundo ela também sabe...

JOSEFA
...

INÊS
Calma...

JOSEFA
Eu não consigo...

INÊS
Sshhhhh, calma, relaxa...

JOSEFA
É que eu não consigo relaxar enquanto você segura o meu Charlie.

INÊS
Ah, desculpe.

ESTELA
Charlie?!?!?!

JOSEFA
É, Charlie. E as minhas namoradas são as Charlie’s Angels.

ESTELA
Ai, minha nossa senhora do l word...

INÊS
Tetéia, chega. Se ela se sente homem, o que é que tem? Isso não é problema seu. As patricinhas hétero também não fazem nenhum bem se comportando do jeito que se comportam. E tem o outro lado: se não fossem as butches, machorras e sapatas que não conseguem esconder o que sentem, o resto do mundo nunca saberia que nós existimos.

ESTELA
Mas, Inês Pressiva, hello? Lembra daquele seu papo de umas duas horas atrás sobre machismo? ELA NÃO É UM HOMEM! E ELA QUER SER UM!

Josefa baixa a cabeça, apoia nas mãos. Fala baixo, derrotada.

JOSEFA
Ela tem razão. Eu não sou um homem. Não porque não tenho pinto, nem porque não tenho voz grossa. Eu não sou homem porque eu não tenho culhões.

ESTELA
Graças a deus, não tem nada mais feio do que um saco peludo.

INÊS
Não fala assim, Zé, eu te acho bem macha...

ESTELA
Você tá é com tesão.

JOSEFA
A verdade é que eu sou uma mulherzinha sentimentalóide. Foi por isso que eu morri.

ESTELA
Mas não foi salvando a sua perereca de estimação?

JOSEFA
Na verdade, eu nem tentei salvá-la.

ESTELA
O que?

INÊS
O que?

JOSEFA
Realmente é bem desagradável quando as pessoas ficam repetindo a mesma frase.

INÊS
Desculpe, escapou.

ESTELA
Conta logo o que aconteceu?

Josefa desvia seu olhar para o nada enquanto conta a história. Mas parece que está olhando pros peitos da estátua de bronze.

JOSEFA
Na noite anterior ao nosso rafting, a gente tava na pousada em Brotas com mais 8 casais de amigas. Estávamos nos preparando para dormir quando a Rô disse que tinha perdido sua faquinha de caça lá fora.

ESTELA
Rô?!

JOSEFA
É, Rosana Marília. Minha namorada. Ex. Viúva. Sei lá.

INÊS
Continue, Zé.

JOSEFA
A Rô saiu pra procurar a faquinha e eu fiquei lá, arrumando a cama. Foi quando eu vi a faquinha no chão. Fui atrás da Rô, avisar que tinha achado. Quando eu cheguei perto, vi que ela estava falando no telefone. E presenciei o diálogo mais obsceno da minha vida.

ESTELA
Ela tava falando com outra????

INÊS
Mas que piranhona!

JOSEFA
Ela chamava a outra de vênus de mamilo, sereia dourada do farol da madalena. Minha grá, meu vermont. Dizia que queria sorver o doce líquido dos seus favos de mel sagrado de deusas de lesbos. Minha coxinha creme, ela dizia. Minha coxinha creme.

A voz de Josefa some. Os soluços escapam.

ESTELA
Isso não se faz, é muito brega.

INÊS
Você espancou bem ela, Zé? Encheu a cara dela de porrada? Esmagou as falangetas dela com um martelo? Escondeu cupim no Tampax dela?

JOSEFA
Não. Eu sou um rato. Ou uma rata. Dei as costas e fui embora, silenciosamente. Quando ela voltou para o quarto, eu já estava na cama. E ela quis transar. Se insinuou, me beijou, me obrigou a tocá-la.

INÊS
E você???

ESTELA
O pau subiu?

JOSEFA
Primeiro eu fiquei em choque, depois resolvi corresponder porque ainda não sabia o que fazer. Precisava de tempo pra pensar. E sabe o que é pior? Logo no começo da trepadinha, quando eu a toquei, a gruta azul já estava inundada. Só de falar com a outra no telefone.

ESTELA
Deprimente.

INÊS
Absurdo.

JOSEFA
Foi por isso que, no dia seguinte, quando ela caiu do barco, eu não fiz nada para salvá-la. Mas ela conseguiu escapar mesmo assim, se agarrando ao pinto de plástico flutuante que uma golfista amiga nossa tava usando dentro da calça e jogou na água pra ela.

INÊS
E aí, e você?

JOSEFA
Eu? Quando voltei pra casa, percebi que eu seria capaz de matá-la e que isso era coisa de mariquinha. Não pude superar essa verdade. No fundo, eu não passava de uma mulherzinha histérica de ciúme. Uma psicossapa. Disse pra Rô que eu tinha que passar em casa pra pegar umas coisas. Eu queria ficar sozinha. Bebi duas garrafas de Lambrusco e cortei os pulsos com um Trim que era do meu bisavô. O sangue se misturava com o vinho no chão branco do banheiro. Chegava a ser bonito.

INÊS
Zé...

ESTELA
Inês, deixa ela quieta. Esse momento é dela.

As duas se sentam, desconfortáveis. O korino range, desconfortável. O caldinho de feijão esfria. O coração delas, esse sim, esse esquenta.

continua..

sexta-feira, agosto 05, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES (e três mulheres)

Parte 3

Inês tem o olhar perdido no canto da sala. Estela a interroga agressivamente. Josefa fica jogada na poltrona com os olhos fechados.

ESTELA
Por que você me odeia assim?

INÊS
...

ESTELA
Desde que você entrou nessa sala não parou de me agredir um minuto. Mas nunca tentou ver se eu sou uma pessoa legal, se eu já li Sartre, se ajudo os pobres ou se beijo bem. Qual é o seu problema comigo? É por que eu sou loira? Ou porque sou gostosa?

INÊS
Eu não tenho problema nenhum com você. Você é um problema pra você mesma.

ESTELA
Rá. Pensa bem. Se não for inveja, qual é a razão que você tem pra me infernizar?

Josefa abre os olhos.

JOSEFA
Infernizar?

INÊS
Você representa o que as mulheres lutam contra há anos. Você gosta de ser submissa, você vive para agradar seu homem, você usa seu corpo para esconder o seu intelecto, você desvaloriza a nossa classe.

ESTELA
A nossa classe? Ih, baixou a Betty Friedan.

INÊS
Se nós não pararmos de usar esse apelo fácil à testosterona como instrumento de manipulação a gente não vai a lugar algum. Esse apelo nos coloca em uma situação de inferioridade, desvalorização e até infantilização. A gente tem que esconder o corpo para poder mostrar o resto.

ESTELA
Agora baixou a fundamentalista islâmica.

INÊS
E em você só baixa a pomba gira, né?

ESTELA
Pelo menos eu faço o que eu quero e não o que eu acho que tenho que fazer. E voltando um pouco no seu raciocínio, sendo eu uma lésbica, eu uso meu corpo pra seduzir uma mulher, e não um homem. Não seria isso um elogio às mulheres, uma forma de feminismo?

INÊS
...

JOSEFA
Nossa, nunca pensei que você fosse capaz de pensar nisso.

INÊS
Pois é, fiquei sem resposta.

ESTELA
Alguma de vocês sabe cantar?

JOSEFA
Hein?

ESTELA
Cantar. Não aguento mais essa música, já estou quase com saudades do CD da Zélia Carolina que entalou no som do meu carro.

INÊS
Eu não sei cantar. Eu não sei nada...

ESTELA
Não se deprima, minha cara, você fica ainda mais chata.

INÊS
Eu deveria ter vivido uma vida de verdade. Fui deixando pra depois, cumprindo minhas obrigações e, quando chegou a hora, eu não tinha nada, nem ninguém, nem tempo...

JOSEFA
Agora Inês é morta.

ESTELA
Hahaha!

INÊS
Não seja ridícula. Ufa, eu estava quase me tornando confessional.

ESTELA
Aproveite o embalo e nos conte quem foi a psicossapa que te matou.

INÊS
A psicossapa sou eu.

ESTELA
Você!?

JOSEFA
Você!?

INÊS
Vocês estão se repetindo de novo.

Josefa se aproxima de Inês. Com as costas da mão, enxuga a lágrima que corre pelo rosto dela. Fala sedutoramente no seu ouvido.

JOSEFA
Não chora, gata, não posso ver uma mulher chorando. Fora que isso esconde esses seus olhos lindos. Confia na gente. Se abre.

INÊS
Eu vivi a vida louca, como dizia o Ricky Martin. Aliás, Ricky Martin era homem ou mulher?

JOSEFA
Isso não importa agora. Quero saber de você. Fala aqui pro Zé, fala.

Inês hesita, mas fala.

INÊS
Eu ficava com as mulheres, às vezes até namorava um pouco, mas nunca era a pessoa certa. Ou era muito patricinha, ou muito masculina, ou moderninha demais, ou não lavava bem as mãos ou tinha dreads com colônias de fungos... Nunca ninguém era tão perfeita quanto eu.

ESTELA
Aliás, você não perde esse hábito, né amiga...

INÊS
Ok, vocês não entendem nada mesmo...

JOSEFA
Calma, calma, sssshhhh! Estelinha, por favor, dá um tempo. Fala, princesa, eu quero ouvir a voz que vem de dentro de você.

INÊS
Eu esnobei todo mundo. Até que eu conheci Guinevere. Ela era bonita, inteligente, feminina sem exageros, bem vestida, depressiva e atormentada. Eu a amava. Pensava nela o tempo inteiro. Perdi o controle sobre as minhas escolhas.

ESTELA
Depois eu é que sou machista...

JOSEFA
Estela, por favor...

INÊS
Um dia entrei no Ritz e ela estava lá, sentada numa mesa bebendo, sorrindo, flertando com uma loiraça belzebu. Provavelmente alguma sapa produtora. Fiquei paralisada como há muito não ficava, mais parada do que você na cama, teteia.

ESTELA
Você acha que vai me ofender assim?

INÊS
Guinevere veio falar comigo. Disse que não era nada do que eu estava pensando. Que não significava nada. Essas coisas. Aí eu cometi um grande erro.

ESTELA
O que foi?

JOSEFA
O que foi?

INÊS
Vocês ensaiam isso?

JOSEFA
Desculpe, prinça... Continue.

INÊS
Eu olhei pra ela e disse: Guina, eu te amo. O olhar dela transbordou de indiferença. Ela despejou seu manhatan dentro da minha calça. Aquele líquido gelado escorreu pela minha perna, entrou pelos meus dedos dos pés, eu estava de sandália. Ninguém manda lésbica querer usar sandália. Ela deu as costas e nunca mais falou comigo.

JOSEFA
Puxa, Inês, como você sofreu!

Estela imita silenciosamente, mas sarcasticamente, o gesto preocupado de Josefa.

INÊS
Ainda não acabou. Um dia passei na frente da loja de uniformes do Iguatemi e vi, através de vitrine, Guinevere lá dentro com a loira, que estava experimentando uma roupa de empregada.

JOSEFA
Ah, não!

ESTELA
Daquelas com avental de organdi??????

INÊS
Essa mesmo.

JOSEFA
Que horror!

ESTELA
Que tudo!

INÊS
Fui pra casa, coloquei o disco da Betty Blue e, na hora que entra o sax, bebi uma embalagem industrial de soapex. O resto vocês já sabem.

Josefa abraça Inês com força. Afoga sua nuvem lágrimas em seu peito. Estela olha a cena com uma leve irritação, ao mesmo tempo em que um respeito solidário a impede de falar. Pelo menos por este momento. Pelo menos enquanto a dor estiver tão presente naquela sala. Simone canta alto, muito alto, preenchendo o silêncio da morte.

Continua...

quinta-feira, agosto 04, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES (e três mulheres)

Parte 2


Inês bate palmas ironicamente para a cena.

INÊS
Que romântico. A mocinha indefesa e o herói. Eu não via isso há anos. Por sorte.

ESTELA
Quanto cinismo, amiga. Você não tem amor? Falando em amor, como foi que você morreu?

INÊS
Eu fui assassinada por uma psicosapa. Mais detalhes, só depois que você parar de mentir.

ESTELA
Eu não estou mentindo.

INÊS
Claro que está, você é mais falsa que uma pochete Luis Vuitton. Você pode enganar essa daí, porque a pessoa quanto mais homem, mais boba fica. Mas a mim você não engana, sua lésbica de unhas grandes.

JOSEFA
Puta merda, como mulher é chata! Dá pra vocês pararem de papagaiar um minuto que eu tô tentando pensar?

ESTELA
Pensar em que?

JOSEFA
Na minha vida. No que aconteceu. No que é que eu fiz pra vir parar aqui.

INÊS
Você morreu e foi pro inferno.

JOSEFA
Mas ela tem razão. Se isso é o inferno, onde está o sofrimento? E o resto dos pecadores? Só existimos nós três?

Elas ficam em silêncio de novo.

INÊS
Deve haver alguma ligação entre a gente. Mas nós nunca vamos descobrir se você continuarem escondendo a verdade.

JOSEFA
Eu já contei a verdade.

INÊS
Então conte a verdade que veio antes dessa verdade. Essa pode ser a verdadeira verdade.

ESTELA
Hã?

INÊS
Você estava feliz no seu namoro? Por que estava fazendo rafting de coturno? A água é muito fria? A voz das areias que cantam é bonita? E você (volta-se para Estela), o que realmente aconteceu no provador da Gap, naquele momento em que tudo escurece na sua cabecinha vaginalmente oca? O que é que você tem tanto medo de contar?

Estela continua a agir no melhor estilo negação da realidade. Começa a falar com Jose como se Inês não estivesse na sala.

ESTELA
Então, Jose, será que eu posso te chamar de José?

Jose fica confusa com a atitude de Estela. Apenas hesita e não responde.

ESTELA
José, você não me acha interessante?

JOSEFA
É que eu acabei de sair de um...

ESTELA
Shhh, não fala nada, não. Só sente, José. Chega mais perto, você consegue sentir o calor?

JOSEFA
...

ESTELA
Você me sente, José? Você sente os pelos arrepiando quando a nossa pele começa a se tocar? Você sente a expectativa?

JOSEFA
...

ESTELA
Eu tô sentindo você, José. Tem uma arma no seu bolso ou você tá de cinto, José?

INÊS
Hello-ou?

ESTELA
Me deseja, José?

JOSEFA
...

ESTELA
Me deseja, José!

INÊS
Será que eu vou ter que jogar água fervendo nas duas? E você, sua bonobo de Les Filós, por que você insiste em negar a realidade e agir como se nada fora do comum estivesse acontecendo? Você percebe que a única chance que a gente tem de se libertar dessa situação é entendendo o que se passa?

ESTELA
E quem disse que eu quero me libertar do meu José? Eu posso ficar abrigada neste peito peludinho pro resto da vida...

JOSEFA
Ou da morte.

INÊS
Piadista. Você bem que poderia me ajudar, afinal, parece ter dois gramas de cérebro e clitóris a mais do que essa daí.

JOSEFA
Desculpe.

INÊS
Nós precisamos saber a verdade.

ESTELA
Nós não precisamos de nada. Nós não precisamos de comida, nem de kerastase, nem de lingerie, nem de nada, afinal, estamos mortas. A única escolha que temos que fazer é entre falar, falar e falar ou passar o tempo de outras maneiras mais interessantes, não é, Zezão?

Estela passa a coxa por entre as pernas de Josefa.

INÊS
Comigo olhando?

JOSEFA
Hein?

INÊS
Vocês vão transar aí, nessa poltrona, na minha frente? Mesmo que eu esteja vendo tudo?

ESTELA
Você poderia dar uma voltinha por aí, sei lá, ver se tem algum bar de MPB aberto.

INÊS
Não posso. A porta tá trancada.

ESTELA
Claro que não, sua louca.

Estela vai até a porta e abre. Inês olha, estupefata (sempre quis usar essa palavra num texto). Estela fecha a porta. Inês pega na maçaneta. Gira. A porta não abre. Está trancada. Estela tenta novamente e consegue. Inês não.

JOSEFA
A porta não abre pra você porque você não quer sair.

Silêncio. Inês baixa os olhos. Pela primeira vez, vulnerável.

ESTELA
Você não quer sair porque está com ciúme. Agora conte a verdade: ciúme de quem?

Inês engole em seco. Olha para a estátua que, desse ângulo, parece sorrir ironicamente. Baixa os olhos para o kit em cima da mesa: um caldinho de feijão frio, um trim sem fio. Que triste é a vida quando você tem tanto pra dar e ninguém pra receber.

Continua...

quarta-feira, agosto 03, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES (e três mulheres)

Josefa entra no quarto bufando e, antes de sentar-se, examina toda a decoração. São 3 poltronas, uma estátua de bronze com a forma de um ser metade mulher, metade Ana Carolina. No canto, uma mesa com um caldinho de feijão frio e um trim. E um som ininterrupto, uma música bem baixinha: Simone canta João Paulo e Daniel.

Josefa é uma dyke bem dyke. Quase um homem. Ela senta-se numa das poltronas. Cruza as pernas. Fica sacudindo o coturno. A porta se abre e entra Inês, uma lésbica nem muito masculina, nem muito feminina, nem muito educada. Bonita.

INÊS
Olá. Eu sou a Inês.

JOSEFA
Jose.

INÊS
Que eu saiba, seu nome não é esse.

JOSEFA
Que você saiba de onde? Você me conhece?

INÊS
Não. Mas quando entrei aqui e olhei pra você, senti que esse não era o seu nome.

JOSEFA
Você tem um pouco de razão. Aliás, onde estamos?

A porta se abre. Entra Estela, a passiva absoluta, passiva e fútil, passiva, fútil e desafinada. Uma Sapatinha de Beverly Hills.

ESTELA
Que lugar horrivel, sem flores, sem gosto, sem vida.

INÊS
É isso! Sem vida! Acho que estamos mortas.

JOSEFA
Mortas?

ESTELA
Mortas?

INÊS
Sim. Não sejam repetitivas. Vocês não se lembram?

Ficam em silêncio um momento.

JOSEFA
É verdade. Eu morri. Não foi tão ruim quanto eu imaginava.

ESTELA
Que estatua horrorosa, de quem é?

INÊS
Eu sou Inês, esse ou essa é Josefa.

JOSEFA
Me chame de Jose, por favor.

INÊS
Claro. E que pronome devo usar para me dirigir a você?

JOSEFA
Que interessante. Nós mal nos conhecemos e você já esta sendo cínica. Por que?

ESTELA
Um trim! Que nojo! Alguém aí tem uma lixa?

INÊS
Não, nós não temos uma lixa. Nenhuma de nós morreu na manicure. Aliás, onde vocês morreram?

ESTELA
Por favor, você poderia parar com essa história de morte? Sempre me disseram que, se eu morresse, iria para o inferno. Se isso aqui fosse o inferno, estaria cheio de fogo, caldeirões com pecadores dentro, tridentes e a Vertiginosa distribuindo flyers pro chá com bolachas.

Inês fica em silêncio, não tem paciência para isso.

JOSEFA
Se não estamos mortas, onde estamos? Por que não há janelas, nem móveis, nem dia, nem noite e por que estamos as 3 aqui, juntas?

INÊS
A gente nunca vai descobrir se não nos apresentarmos melhor. Podemos começar contando como morremos. Isso pode nos dar pistas. (Para Estela.) Por que você não começa?

ESTELA
Você realmente acha que estamos mortas?

INÊS
Você tem alguma hipótese melhor? Não? Então vamos trabalhar com essa mesmo. Como você morreu?

Estela pensa.

ESTELA
Eu estava no provador da Gap pensando na Shane e experimentando um vestido com umas aplicações de flores... Depois não me lembro direito, tudo ficou escuro e eu apareci nesse corredor aí fora.

INÊS
Sei.

JOSEFA
Só isso?

ESTELA
É o que eu me lembro. E vocês?

JOSEFA
Minha namorada estava fazendo rafting em Brotas, quando ela caiu do bote. Eu me joguei atrás para salvá-la. Consegui soltar sua pochete das pedras, mas meu coturno ficou cheio de água, pesou e eu morri afogada.

ESTELA
Você é um herói, então.

JOSEFA
Ah, sei lá...

ESTELA
Não precisa ser modesta. Achei isso bem másculo da sua parte.

JOSEFA
Obrigada.

ESTELA
Sabe, tava pensando. Se nós estamos mortas, provavelmente passaremos o resto da eternidade trancadas aqui nesta quarto, juntas. (Estela se insinua para Jose.) Então seria legal se a gente tentasse se conhecer melhor...

Jose fica um pouco sem graça. Inês observa a cena e faz cara de quem vai vomitar. A estátua observa silenciosa uma guerra que começa.

Continua...

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