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terça-feira, abril 29, 2008

Gente, olha essa noticia cujo titulo é:

Habitantes de ilha reivindicam adjetivo "lésbico"


http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI2857419-EI8142,00.html


Ei, vc é lésbica?
Sim, nasci na ilha de Lesbos!

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 AGORA EM 3D


Ninguém se mexe. Melissa sabia que tinha prometido que tudo iria seguir seu rumo depois, então não queria que depois chegasse. Já Daniele queria que depois fosse diferente, que pudessem ao menos ter a chance de tentar ficar juntas. Então elas prolongam aquele instante indefinidamente, sem falar nada.
- E aí, é pra hoje ou pra amanhã?
- Caralho, mãe, porque você sempre aparece assim do nada?
- Tira a mão de dentro da moça primeiro, a coitadinha não consegue nem piscar.
Daniele arruma a saia de Melissa e desencosta devagar. A Sra Middlefinger está sentada numa cadeira no canto do quarto como se sempre estivesse ali, olhando e mastigando
- Agora que tá com a mão livre, quer milho?
- Não.
- Tem uma manteiguinha pelo menos? Pelo que tavam fazendo deve ter manteiga por aí em algum lugar.
Melissa senta na cama e tenta se recompor, se pentear, se desamassar.
- Mãe, o que você tá fazendo aqui?
- Vim levar vocês pra casa.
- Mãe...
- Olha aqui, eu tô de saco cheio dessa história de vocês duas. Agora chega. Não quero mais correr o risco de ter que aparecer pra resolver alguma coisa e me dar de cara com o último tango em Paris. Você, tá na hora de assumir o trono lá que eu cansei. E você, parece que já resolveu a pendência com a coisa pendente, né? Então vamos.
- Mas mãe, ela tava com o Frota.
- Melhor.
Dani e Melissa se olharam.
- Meninas, essa guerra não vai acabar tão cedo então vamos matar dois coelhos com uma bucetada só...
- Mãe olha a língua...
- Onde? Bom, vocês ficam juntas, vão pra Fannypack Hills, Daniele assume o café, eu abro uma fábrica de dedildos...
- O que é dedildo, Sra. Middlefinger?
Melissa teve que interromper.
- Dildo em formato de dedo, olha.
E levanta o descomunal dedo médio. Melissa na mesma hora procura a mão de Dani pra ver se é igual. É. Ela morde o lábio e respira fundo.
- Como eu tava dizendo, a Dani finalmente assume. E tendo uma ex-Frota como primeira-dama, a gente irrita eles mais ainda. Vai ser lindo.
A Sra. Middlefinger recosta, tira com a unha uma casca de milho do meio dos dentes e divaga.
- Os Frota nunca vão aprender. Lembra do grande plebiscito do palmito, Dani?
- Vagamente. Eu tinha dois anos.
- Que plebiscito foi esse?
- O avô do Pedro Frota fundou um partido conservador e inventou uma lei que toda a conserva deveria vir em vidro, e não em lata. Pra tentar me prejudicar porque vidro de conserva só homem consegue abrir. Aí colocou a lei em votação na cidade. Conseguiu aprovar, usando argumentos sobre saúde e sabor, etc.
- E aí?
- Aí nada. No dia do resultado eu desafiei ele. Se eu conseguisse abrir um vidro de conserva que tava guardado no meu estábulo há 17 anos, ele teria que comer os palmitos que estavam dentro. Eu abri, sem precisar nem de um pano de prato pra forçar. Ele comeu e morreu.
- Que horror, mãe.
- Caguei. Então, vamos voltar? Vai lavar as mãos, Daniele.
- Mas mãe, por que eu não podia olhar a estátua?
- Estava testando a natureza. Não queria contar sobre a sua linhagem até certeza de que você viraria uma Lesbianderthal por si própria, não por seguir os passos dos seus ancestrais. Mas agora é hora.
Daniele vira pra Melissa.
- Você quer... Vir?
Melissa sorri depois de 8 meses.
- Aonde você for, Príncipe de Fannypack Hills.
Se beijam. A Sra. Middlefinger arrota. Cheiro de lingüiça.

Fim

Vídeo exibido no programa da Ellen sobre a festa que elas deram para comemorar a volta a Fannypack Hills.


segunda-feira, abril 28, 2008

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D

(querem sexo? ta)


Eu tava parada na frente da porta fechada desistindo de continuar a história quando uma camionete vermelha pára e uma mulher muito macha de regata e bota e com um cinto de ferramentas olha pra mim de cima e diz:
- Quer ver?
Como eu não sabia do que ela tava falando eu respondi:
- Claro!
Então ela me levou pra cima do telhado, me mostrou um buraquinho que dava pra espiar o quarto de Melissa. E isto foi que eu vi:

Daniele estava dentro do quarto, mas quase fora, fazendo força contra a parede. Melissa, por sua vez, se sentia tentando segurar um punhado de água. Ela é que começa a falar.
- Desculpa.
- Fazer merda e pedir desculpas depois refazer merda e repedir desculpas não vale.
- Desculpa. Mas eu tinha que...
- …
- Eu tinha que, tentar, ter certeza.
- Eu não tenho nada com isso, na verdade.
- Tem sim.
- Tenho não.
- Dani, vamos fingir que a gente acabou de se conhecer. Você gosta de uma garota que deixou pra trás em Fannypack Hills. Eu praticamente fugi – de novo – de um namoro que não deu certo. Eu posso te ajudar a esquecer aquela garota. E você pode me ajudar a ser menos fujona.
- Eu não preciso te ajudar a nada.
Melissa fica desesperada com a dureza de Dani. Abaixa a cabeça, fecha os olhos e pensa no que fazer, como convencê-la a dar uma chance. Chance de que? Pensando bem, nunca aconteceu nada. Tudo não passa de mais um lesbian drama e no fundo elas não têm passado nenhum além de alguns drinks e poucas horas juntas. Essa linha de raciocíonio a enche de coragem.
- Então me come.
Daniele não consegue falar porque o ar sumiu rápido de dentro dela, mas faz “hã?” com os olhos.
- Você não tem que fazer nada por mim, nem me ajudar, nem conversar comigo ou me salvar de nada. Não existe nada entre a gente. Amanhã você vai ensaiar com a sua banda e depois voltar para Fannypack Hills para governar. Enquanto isso, me come.
Sem largar a calça ela desabotoa a camisa de Dani. Dani tenta trazer um pouco de senso para a situação.
- Melissa, não é bem…
Melissa fala devagar e assertivamente, mas sussurrando.
- Quieta, Dani, só abre a boca se for pra falar sacanagem no meu ouvido. Eu quero dar pra você. Agora.
Ok, Daniele tentou, mas assim também não dá. Ela a beija enquanto tenta arrancar seus braços de dentro da sua camisa, mas Melissa está praticamente incontrolável, como aquela noite no Fake Joy. Como se tivesse pressa. Mas quanto mais Dani a beija, menos pressa tem. Então luta contra as oito mãos de Melissa que se infiltram por dentro das suas roupas, por trás do pescoço, por baixo do cabelo, por tudo.
Com o próprio corpo a empurra através do quarto, num movemento rápido a vira de costas e imobiliza contra a outra parede. Tem que apertar com todo o corpo para que ela não escape. E pergunta por trás:
- O que você quer mesmo?
Melissa não responde, ofegante.
- Fala.
Melissa nada.
Dani a aperta forte com o quadril.
- Fala!
- Eu quero que você me coma.
Com a mão direita Daniele levanta a saia de Melissa, puxa sua calcinha para o lado e entra sem perder tempo. Melissa geme alto e aperta os olhos. Está tão molhada que Dani sente escorrer no seu punho. Coloca a outra mão pela frente, mas não mexe. Deixa lá para que Melissa se esfregue nela. A come com os dedos e com o quadril até que Melissa goza de costas, a testa encostada na parede e os olhos fechados.
Agora é Daniele que não quer sair dali. Acha que se soltar Melissa, vai deixar escapar de novo a mulher da sua vida.

domingo, abril 27, 2008

eu tava chegando em Jindabyne, ipod sem bateria, a única rádio que pegava estava transmitindo corrida de cavalo, tava uns 5 graus, quase nevando, e eu sentindo aquela euforia maníaco-depressiva que eu tenho em contato com a natureza, achando que eu tinha sido predestinada a viver num lugar desses e tals, quando chego aqui:


quarta-feira, abril 23, 2008

IN FANNYPACK HILLS - THE ASSETS

Pra quem não viu o artigo da wikipedia antes de ser deletado por ser considerado um ato de vandalismo, aqui segue uma reprodução dele.





"A história do município de Fannypack Hills remonta ao século 69. Artefatos encontrados em escavações arqueológicas confirmam a existência de habitantes organizados e evoluídos na região. Além de utensílios domésticos como pratos, talheres e bacias, foram encontrados crânios de um raro espécimen humano chamado de Lesbianderthal.

Os primeiros dildos de que se têm conhecimento vêm daquela região. Acredita-se que foram criados lá mesmo, provavelmente pelo fato de os Lesbianderthais serem uma civilização predominantemente feminina (foram encontrados pouquíssimos esqueletos masculinos, que eram usados somente para procriação). Os dildos eram feitos de vegetais tratados com uma substância impermeabilizante e amarrados na cintura com tiras de couro de cabrita assanhada.

Pinturas rupestres feitas com os dedos detalham o que se supõe sejam cenas de sexo. O Capitão A. Frota, que “descobriu” a região no século XIV, tentou sem sucesso realizar as proezas exemplificadas nas cenas. Acabou hospitalizado e teve que ser submetido a uma cirurgia para desvirar seu pênis, que tinha girado sobre si mesmo e travado numa posição desconfortável e pouco educada. Uma década depois um casal de lésbicas finalmente consegui realizar a proeza, dizendo que isso só foi possível graças ao fato de que um dildo não fica grudado ao corpo do usuário, ao contrário de um pênis natural.

Duzentos anos mais tarde, quando a civilização Lesbianderthal tinha sido reduzida à um montinho de cutículas pelo Capitão Frota e seus compatriotas, uma heroína rouba a cena.

Anita Middlefinger, legítima descendente das Lensbianderthais, reuniu e treinou um exército de mulheres para lutar por Fannypack Hills. Munidas apenas de sapatos de bico fino elas bateram ovos suficientes para fazer o maior omelete do mundo e retomaram o poder da região.

Hoje a praça da cidade ostenta uma estátua em homenagem à sua heróina, retratando a mesma montada em sua valorosa égua, proclamando o fim do machismo opressor exercido durante os séculos frotistas. Sua inauguração, no entanto, foi polêmica. Quando se retirou o tecido que cobria a obra, a cidade descobriu chocada que alguém havia acrescentado um enorme pênis ereto no cavalo. Todo mundo sabia que Anita Middlefinger montava uma égua puro sangue chamada Balabanian. A Sra. Joana Middlefinger, descendente e herdeira de Anita, mandou arrancar a qualquer custo aquela parte da anatomia do animal antes de reinaugurar a estátua. Suspeita-se que a sabotagem tenha sido organizada por herdeiros do Capitão Frota, mas nunca foi provado.

A Família Frota ainda vive na região. Um deles, Pedro Frota, é um renomado escritor.

Até hoje a dinastia Middlefinger domina a região como uma família real adorada por seus súditos. A atual liderança é exercida pela Sra. Joana Middlefinger, que o faz detrás do balcão de um café. Ela diz que este é o lugar ideal para governar, já que é sempre neste tipo de estabelecimento que as pessoas vão socializar, buscar conforto, informação, nutrição ou apenas lazer.

A única herdeira e sucessora do trono se chama Daniele Sappho, filha de Joana Middlefinger, e se recusa a assinar o sobrenome da mãe. Mas é uma questão de tempo até ser chamada ao nobre compromisso de tomar nas mãos, nos dedos, o curso da história."

terça-feira, abril 22, 2008

Terremoto em São Paulo, padre voando com balão colorido pelo Atlantico e as pessoas na frente do prédio do caso Isabela, ta dificil de escolher a imagem mais bizarra da semana.

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D



Melissa estava jogada na cama bebendo vinho e assistindo comerciais de telessexo. Era o mais perto de um filme pornô que ela podia chegar naquele momento. Tinha acabado de vender o carro mas não podia torrar dinheiro todo de uma vez. Tinha guardar pra comer e tomar vinho. Alguém bate na porta. Provavelmente pra recolher o pagamento para mais uma semana de hospedagem. Ela abre a porta. E congela.

Daniele está lá, com todo aquele cabelo na cara. Melissa tenta pensar rápido em como evitar que ela fuja. Não consegue elaborar nada pra dizer então decide segurá-la fisicamente, pela alça de cinto do jeans. E diz.

- Que bom que você voltou.
- Eu não voltei.
- Quem bom que você veio.
- Eu fui obrigada.
- Como assim?
- Um personagem do Tarantino me mandou um e-mail dizendo pra eu te procurar. Você sabe que essas pessoas são perigosas, melhor obedecer.
- Como ele soube da gente, onde eu tava?
- Ela. Não sei. Deve ter sido o Tarantino.
- E como ele soube?
- Ele simplesmente sabe.
- ...
- Bom, já vim, tô indo. Até mais.
- Não, espera.
- Espera o que?
- Espera eu te pedir desculpas e te contar que não estou com o Pedro e que eu não paro de...
- De que?
- De pensar.
- Pensar no que?
- Você.
- Eu?
- É. De madrugada, tomando vinho debaixo da estátua.
- ...
- Eu tenho vinho, só falta arrumar uma estátua!
- Melhor não, Melissa.
Quando Dani pronunciou o nome de Melissa depois de tanto tempo, chegou a ficar tonta. Deu um passo para trás e Melissa segurou sua calça com mais força. Ela olhou para aquela mão delicada agarrada no seu jeans e sentiu um frio no estômago.
- Eu subi na estátua depois que você foi embora.
- ...
- Eu vi. A calça do cavaleiro.
- Então você sabe?
- Sei.
Daniele olha pra mão de Melissa.
- Então você sabe por que é tarde demais para... Gente..
- Não é tarde demais!
- Eu não posso voltar pra Fannypack Hills com você, Melissa, depois de tudo o que aconteceu com o Pedro Frota...
- Então a gente vai pra outro lugar!
- Mas eu tenho que voltar pra Fannypack Hills. É o meu destino.
Sem largar a alça Melissa coloca a outra mão na nuca de Daniele.
- Entra. Vamos conversar. A gente acha um jeito.
Daniele não tem forças contra os olhos dela. Entra no quarto. Fecham a porta. E eu não pude ouvir o resto da conversa e agora não sei do que elas estavam falando.

E agora, como a gente vai descobrir que mistério existe em Fannypack Hills que possa obrigar Dani a voltar mas que a impede de levar Melissa?

sábado, abril 19, 2008

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D

Melissa anda pelas ruas procurando Dani. Uma agulha no palheiro, ela pensa, olhando as pessoas que passam. No ipod uma música que os Killers of the Killers tinha tocado naquela noite.

Melissa viaja... Imagina Dani batendo na porta do seu quarto de motel no Travelezlodge dizendo oi, que bom te ver, eu trouxe margaridas.

Ridículo. Dani não sabe onde encontrá-la. Mesmo que soubesse, seria difícil convencê-la a se encontrarem.

De repente ela lembra de Jodie Foster em Plano de Vôo. Desesperada procurando sua filha, praticamente achando que estava louca e perdendo as esperanças. Foi assim que Melissa se sentiu.

Mas não tinha escolha senão procurar. Não ia conseguir desistir mesmo.

Aqui um vídeo feito dentro da cabeça de Melissa naquele momento.


quinta-feira, abril 17, 2008

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D


Melissa anda devagar até o motel tentando encontrar uma maneira de falar com Daniele. Suspira. Não sabe

BBZZZZZZZZZZIIIOSSOOOOOOOOOOOOOOZZZZZZZZZUUUUUUUUUUUUUUU


Alô, som.
Hm, bom.
Aqui é a Sra. Middlefinger materializando do nada mais uma vez no meio dessa novela maluca. Dessa vez materializei no meio de um post da Charlotte. Na verdade, não agüento mais essa punheta dela de “melissa suspira, melissa pensa, melissa sofre”, meu cu melissa, vamos fazer essa história andar.
Falando nisso, vocês querem uma lasquinha de quiabo? Ta bom, bem gosmento, babado, tipo mulher excitada.
Bom, eu vim aqui pra dizer que vocês precisam ajudar. A Dani eu conheço bem, é orgulhosa e teimosa, não vai atrás da Melissa. A advogadinha pamonha, por sua vez, não sabe onde procurar e ta numa situação difícil, sem emprego, sem grana nem pra pagar um cybercafé e usar o Google. Então seria legal se vocês dessem uma força e achassem a Daniele. A gente sabe que ela tem uma banda, deve ter um site, um e-mail também. Ajudem a convencer a Dani, colocar essas duas em contato senão não tem mais história.
Fui.


BBZZZZZZZZZZIIIOSSOOOOOOOOOOOOOOZZZZZZZZZUUUUUUUUUUUUUUU

O que aconteceu aqui? Que gosma é essa? Meninas?

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D


Assim que o show acaba Melissa pula por cima do balcão e corre pro palco mas, claro, é interpelada pelo seu chefe.
- Onde você pensa que vai?
- Dá licença, eu preciso ir...
Ele tem que segurar ela pelo braço.
- Opa, perai, você precisa ir é pra lá ó!
E aponta pro balcão.
- Eu já vou, mas eu tenho que falar com eles antes.
- Você trabalha pra mim, logo, você tem que servir drinks antes. Quando acabar seu turno você fala com quem quiser.
- Você não ta entendendo...
Ela diz puxando o braço das mãos dele.
- Não tô mesmo.
Ele solta, ela cai no chão. Levanta e corre pra trás do palco. No caminho ouve.
- Despedida!
Quando chega no backstage eles não estão mais lá. Foram embora. Ninguém sabe pra onde nem como encontrá-los. Um dos caras tinha o telefone deles na agenda do celular mas perdeu o aparelho. Ofegante, Melissa senta na sarjeta da rua atrás do clube. Tinha perdido o emprego e Daniele. De novo. E agora, ela pensava, como eu vou encontrar ela?

quarta-feira, abril 16, 2008

IN FANNYPACK HILLS VOL 2 - AGORA EM 3D



- Mas eu não preciso de uma advogada.
O dono do club olhava o currículo de Melissa, tentando entender o que aquela candidata a presidente da ONU estava fazendo ali.
- Eu preciso de um emprego rápido. Longe de um escritório.
- Me faz uma mojito então.
Melissa vai para trás do balcão, junta os ingredientes, entrega. Ele bebe.
- Decente. O emprego é seu. Volta hoje as 10.

Atrás do balcão do clube lotado ela corre como uma barata tonta. Achava que era mais fácil ser barwoman. Cada vez que alguém pede um drink ela esquece a cara de quem pediu e fica perdida. Seguindo os passos do outro barman ela manda uma dose de vodca a cada três servidas. Quando acha que está bêbada, resolve tomar uma tônica, mas já está tão louca que manda ver um gin tônica. No palco, Killers of the Killers. Segundo o flyer, eles começaram fazendo covers e agora tocam também músicas próprias. O guitarrista é gato, Melissa pensa, tentando enxergar de longe.

Então, entre uma música e outra, o vocalista anúncia que o guitarrista vai cantar a próxima. Uma pessoa tímida com o cabelo cobrindo quase todo o rosto diz no microfone:

- Pra uma garota que eu gostava em Fannypack Hills.

Melissa presta atenção. A música começa. Apertando os olhos e se esticando ela reconhece... Daniele! Não acreditava na coincidência, nem sabia que ela tocava guitarra! E dedicando para alguém que ela conheceu em Fannypack Hills... Melissa ouve a música hipnotizada, engasgada. Aqui um video feito naquela noite da performance de Daniele.



terça-feira, abril 15, 2008

IN FANNYPACK HILLS VOLUME 2 - AGORA EM 3D


Seis meses depois.

Na fila do cybercafé, Melissa lembra do seu último dia em Fannypack Hills num churrasco com a família de Pedro. Enchendo a cara pra tentar controlar tédio. Não sabia nada de jardinagem, de crianças, de cozinha, de futebol, de vacas, de novelas, de artistas, nada do que circulava nas rodas de conversa. Era formada em direito internacional, tinha sido lésbica pelos últimos 15 anos e morava num carro, o que poderia ter em comum com aquelas pessoas?

O tédio vira raiva. Queria jogar vinho em todos aqueles twin sets azuizinhos, comer com a mão, mostrar fotos do Buck Angel e perguntar quem ali já tinha ejaculado, homem não conta. Queria enfiar todos aqueles docksides no cu de seus donos.

Alguém lhe entrega um bebê pra tomar conta um minutinho. Um o que? Ela olha o serzinho em pânico. Pedro pára do lado dela e toda a família olha e faz óóóó. Naquele momento ela soube que precisava ir embora.

Arrumou suas coisas e veio para Womanhattan. A polícia não deixava dormir no carro então se hospedou no motel Travelezlodge. Agora precisava arranjar um emprego.

Chega a sua vez de usar o computador. Coloca algumas fotos no flickr e manda o link pra sua amiga Charlotte. Diz pra ela espalhar. Gosta de imaginar as pessoas acompanhando sua história pelas fotos. Se sentia menos sozinha.

segunda-feira, abril 14, 2008

IN FANNYPACK HILLS


Parte 13 Epílogo


Melissa ouve música de olhos fechados sentada no capô do carro. Canta alto e sem afinação. Tinha arrumado tudo pra ir embora, fugir da bagunça que tinha criado na sua vida e, principalmente, na vida dos outros. Mas simplesmente não ia. Não entrava no carro, não ligava, não engatava a primeira, só ficava ali, esperando a hora certa.
Abre os olhos. Pedro está ali, encostado numa árvore. Tira os fones, mas não inicia a conversa.
- É verdade o que eu ouvi?
- O que você ouviu?
- Que você stava beijando aquela moça na estátua.
Como negar? Como confirmar? Melhor usar sua tática de silêncio.
- Não acredito. A gente tinha acabado de...
Ele acha que não se diz o nome daquilo para uma mulher então deixa no ar. Melissa segue muda.
- Eu até achava que tinha alguma coisa entre a gente. Foi bom. Aí eu acordei e você tinha sumido. Primeiro fiquei confuso, depois puto, depois achei que a culpa era minha e fiquei preocupado. Queria te encontrar pra dizer que você não tinha sido usada. Perguntei pros meus amigos se alguém tinha te visto, numa cidade desse tamanho alguém sempre sabe alguma coisa. Casualmente um deles é policial e prendeu você. E tirou muita onda com a minha cara.
Melissa se sente muito mal. Sempre morou em cidades grandes onde praticamente tudo o que se faz é anônimo.
Ela mesma fora traída por três anos e nunca algum de seus amigos viu Jackie com a mulher laranja. Ela continua sem conseguir falar e agora também não pode olhar pra ele.
- Por favor, fala alguma coisa.
Ele tinha razão, esse silêncio não era justo.
- Eu não sei o que eu quero.
- Você... é... Homossexual?
Ele tinha um cuidado comovente.
- Sempre fui.
Ele fala devagar, se dando tempo de escolher as palavras ou desistir.
- Eu... Seria... Fui... O primeiro?
- Não, não.
Ela tenta descobrir se ele está aliviado ou decepcionado. As fantasias masculinas às vezes são contraditórias. Dois corpos ocupando o mesmo lugar no espaço. Mas as mulheres nunca vão entender.
- E por que?
- Eu acho que nunca tinha tentado direito, então não tinha certeza. Do que eu era. Sou.
- Agora tem?
- Não.
Agora dava pra ver que era alívio. Deduz meio surpresa que ele gosta dela.
- Por que você não tenta mais um pouco e janta comigo hoje a noite?
Ela lembra de Daniele brigando no jogo.
- Ok.

***

Escolheram o Café Middlefinger, já que da última vez que foram à lanchonete encontraram Daniele. Sentaram olhando o cardápio famintos. Ele quase eufùrico por ela ter aceitado o convite. Tenta não perder a capacidade de falar.
Ela vê umas quarto expressões diferentes passando pelo rosto dele e pensa em perguntar o que é mas desiste. Ela sabe a tragédia que pode acontecer quando ele está nervoso demais pra se expressar. Os dois riem.
Então viram para chamar o garcon e surpresa: Daniele está lá, parada no meio de um movimento qualquer, olhando pra eles branca e com cara de quem acabou de ser esfaqueada.
Antes de Melissa se recuperar do choque Pedro a leva embora. Ela gosta, se sente resgatada. Compram um hamburguer na lanchonete e comem no carro. Depois vão pra casa dele transar.
Foi bom, mais calmo que da primeira vez. Ela pensa nos detalhes sentada na cama, nua, olhando pela janela, ao lado do corpo dele adormecido.
Ela se sente duas pessoas. Uma quando está excitada, que deseja e venera Pedro com todas as células do corpo. A outra, depois que tudo acaba, sente um pouco de tédio e degradação. Hoje teve de novo o problema da camisinha. Na hora não não deu bola, mas agora estava irritada. Como se nunca pudesse relaxar. Como se Pedro não desse a mínima.
De repente lembra da Jodie Foster de minissaia dançando bêbada num bar qualquer. Acusados. Depois num tribunal defendendo o seu direito de ser meio putinha. Até que ponto a responsabilidade é dividida e quando passa a ser só da mulher? Essa irracionalidade do desejo masculino a assustava. Comparar sexo com um cara que gosta com um estupro a assustava. Tinha alguma coisa errada com ela.
Ela sente vontade de chorar e de vomitar. Pega suas roupas e foge de novo. Vai até a casa de Daniele, bate, mas ninguém abre. Tem luz lá dentro. Ela vira a maçaneta e entra. Encontra a Sra. Middlefinger no sofá comendo pamonha.
- Daniele?
- Foi embora.
- Pra onde?
- Não sei.
- Volta quando?
- Nunca.
Melissa sente o estômago apertar. Middlefinger fala com a boca cheia.
- Como assim?
- O que ela ia ficar fazendo aqui?
- Mas ela não me disse nada, não se despediu…
Melissa tem um olhar desesperado. Middlefinger responde com uma risada sarcástica. Melissa treme, cruza os braços e enche os olhos de água. Middlefinger fala de boca cheia.
- Pamonha.
- Não, obrigada.
- Eu não estava oferecendo. Pamonha!
Melissa anda até a estátua. Sobe. Lá em cima chora de soluçar. Lamenta todos os fatos dos últimos dias. Por outro lado, pelo menos sua vida estava resolvida, a decisão tinha sido tomada por ela. Não havia mais Pedro e Daniele, agora só havia Pedro. Iria voltar pro braços e resolver seus fantasmas com relação aos homens. Mas antes revive todos os segundos que passou com Daniele. E pensa com uma dor física que acabou.

fim!

domingo, abril 13, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 12


Dois dias depois Melissa acorda e a primeira coisa que vê é a cara de Daniele. Chega a se perguntar onde está, mas
o desconforto do banco a assegura que está no seu carro e a outra está espiando pela janela. Daniele bate no vidro.
- Bom dia. Vamo, levanta, futebol!
- Que futebol?
- Aquele com uma bola, duas traves, onze pessoas de cada lado correndo...
Pela cara de Melissa a explicação não foi satisfatória.
- Eu te explico no caminho do banheiro, pega a sua escova de dentes.
Sem tempo de pensar ela obedece. Enquanto lava o rosto Daniele esclarece.
- Hoje é domingo, tem jogo de futebol no campo atrás da igreja. É ótimo, porque a gente chuta na parede do
quarto do padre só pra irritar. Vai ser legal, choveu e o campo tá embarrado. Queria que você fosse assistir.
Ela parece uma criança. Melissa repara que ela está usando uma camiseta do Chelsea, shorts, meião e chuteira.
- Você joga?
- Muito.
Chegando ao campo ela senta na beirada do gramado e Daniele se junta a um time de camisetas azuis. O
engraçado é que cada camiseta é de um time diferente – Chelsea, Porto, Grêmio, PSG, Itália. Do outro lado um
time de camisetas brancas – Santos, Real Madrid, Alemanha – se aquece com a bola. Daniele é a única mulher em
campo.
O jogo começa. A cidade inteira assiste e comemora todas as jogadas, como se todos torcessem para os dois times.
Ela presta atenção nos sons. Reações da torcida, gritos distantes dos jogadores, pancadas secas na bola, o
crescendo dos grupos de jogadores correndo na grama, como cavalos.
Dani é alta e forte, mas quando colocada entre homens parece pequena e frágil, o que aparentemente ela
compensa com agilidade e velocidade. Ela consegue prever e escapar da maioria das divididas mas mesmo assim
Melissa sente uma certa apreensão cada vez que ela se envolve numa jogada.
De longe vê Daniele roubar uma bola no campo de defesa e disparar pro ataque pelo flanco esquerdo. No caminho
ela escapa de um carrinho adiantando a bola e pulando por cima do cara. Mas antes que possa regularizar o passo
no piloto automático da corrida, outro jogador chega e interrompe sua evolução com uma perna esticada e um
tranco de corpo. Devido à diferença das massas e à velocidade em que vinha, Daniele voa uns dois metros e rola
outros tantos. É impressionante e feio, mas também é bonito. Melissa levanta com as mãos na boca, não sabe se
deve entrar no campo pra acudir ou não, uma atitude dessas pode emasculá-la diante dos outros jogadores.
Resolve esperar e a bola sai do campo bem perto dela. O outro jogador, o que deu o tranco, vem buscar e então
ela reconhece Pedro. Ele não pára, só diz no caminho:
- Esse jogo é pra homens.
E reinicia a partida.
Daniele levanta coberta de lama, puxa uma das meias, olha pra Melissa e devagar recomeça a correr.
Melissa senta de novo, puta e cheia de perguntas. Daniele sabia que Pedro estaria jogando? Pedro sabia o que
tinha acontecido entre elas e aquele comentário tinha sido uma indireta? E o que ela deveria fazer, continuar
assistindo ou ir embora? Ela observa os dois adversários que tinha criado, a elegante Daniele e o viril Pedro.
- Qual é o seu time?
Ela pula de susto. A sra. Middlefinger tinha praticamente se materializado do seu lado comendo um desses
salgadinhos nojentos.
- Oi, Sra. Middlefinger.
- E o time, já escolheu?
- Ainda não.
- Quer um salgadinho?
- Não, obrigada.
- Pega, é bom, tem gosto de buceta.
Melissa olha quase curiosa.
- Obrigada mesmo, mas é que eu acabei de comer.
- Tem que escolher.
- ...
- O time.
- ...
- O de branco é mais pegador, o de azul joga bonito. Não acha?
- Eu não entendo muito de futebol.
- Quem tá falando de futebol?
Melissa fica um pouco chocada e não responde. Ela nunca responde quando não sabe o que dizer, o que não deixa
de ser honesto.
- Assim vai acabar no zero a zero.
Quando Melissa resolve virar para reclamar da audácia a sra. Middlefinger não está mais lá. No campo começa uma
briga. Ela vai embora.

sábado, abril 12, 2008

IN FANNYPACK HILLS

parte 11

Daniele acorda com Melissa dormindo enroscada debaixo do seu braço esquerdo e a Sra. Middlefinger comendo tangerina na cama ao lado. Acha que é um sonho. Toda de roupa de couro como sempre, jaqueta das Dykes on Bikes, Middlefinger descasca, chupa os gomos e cospe as sementes em Daniele.
- Eu tô acordada?
- Claro que tá, ou você anda sonhando comigo?
- O que a senhora tá fazendo aqui?
- Comendo bergamota.
- Por que?
- Porque meus dedos estão cheirando a bacalhau desde ontem, não sai. Preciso de um cheiro mais forte pra neutralizar. Deve ter sido a nova cozinheira.
Ela se inclina para frente e apóia os cotovelos nos joelhos. Olha bem pra Daniele.
- O que vocês estavam fazendo em cima da estátua?
Daniele não sabe bem o que dizer, gagueja.
- Ah, nn-nada. A gente não queria... Sabe... Foi uma brincadeira... Não era pra estragar e...
Sra Middlefinger fecha os olhos e levanta a mão espalmada como quem diz “chega”. Daniele cala.
- De quem foi a idéia?
- Ah... Sei lá...
- Daniele, de quem foi a idéia?
Ela não responde.
- Daniele, esta moça está em busca de algo. De uma resposta que você não tem. Pode até ser que no final ela encontre você, mas não é você que ela está procurando. Seja firme. Não há nada para vocês em cima daquela estátua. Você recomeça no café amanhã.
Sai e deixa a porta da cela aberta. Melissa só acorda depois de 45 minutos. Ninguém apareceu nesse meio tempo. Elas espiam. Tem apenas outro guarda na delegacia, mas ele está concentrado num programa de TV e parece não notar as duas. Elas saem andando e ninguém impede.

***

As duas chegam ao camping, param ao lado do carro.
- Obrigada.
- Não, eu te levo.
- Nós já chegamos.
- Como assim, onde você mora?
- Aqui.
- Mas não tem nada aqui.
Ela aponta pro carro.
- Mas onde você dorme, essas coisas?
Aponta pro veículo de novo.
- No carro?
- É.
- Não acredito!
- Por que?
- Sei lá, ninguém mora num carro... E você é toda mulherzinha.
- Pff. Quer entrar?
- Quero.
Ela abre a porta do motorista pra Daniele e senta no banco do passageiro. Do porta-luvas tira um pacote de biscoitos e oferece. Cada uma pega um. Daniele achando muita graça de tudo aquilo.
- Bom, foi a melhor noite da minha vida.
Agora é Melissa que ri. Daniele não vai explicar que é verdade. Beija ela na bochecha e vai embora.

(continua)

quinta-feira, abril 10, 2008

IN FANNYPACK HILLS


parte 10


Melissa e Daniele estão na delegacia, numa sala branca e vazia, exceto por uma escrivaninha onde um oficial entediado preenche suas fichas e inventários. As duas sem roupa, esperando instruções. Melissa apavorada e constrangida, com as mãos cruzadas na frente do corpo. Daniele olha pra ela, relaxada e com um ar meio tarado. Como ela pode, nessa situação?
- Sra. Melissa E.?
- Eu.
O oficial estende um papel pra ela assinar, a lista de suas roupas e pertences no momento da prisão.
- Sra. Daniele S.?
Daniele também assina. O oficial emposta a voz pra ler o boletim de ocorrência.
- Os aqui presentes e abaixo-assinados, Melissa E. e Daniele S., são acusados de desacato ao patrimônio público denominado “Glória da Descoberta de Fannypack Hills”, tendo os acima mencionados invadido propriedade pública e escalado o denominado monumento, não mantendo assim postura digna de tão valoroso símbolo.”
Melissa espia Daniele que está coçando a batata da perna direita. Quando ela se estica para alcançar o ponto que incomoda, todos os músculos posteriores do seu corpo se contraem, e eles são muitos.
- Além da citada infração, os réus acima citados...
Melissa agora observa suas pernas, os tornozelos e pés, fortes, Camille Claudel.
- Acusados de conduta imoral e atentado violento ao pudor de acordo com o artigo 348, inciso 7...
Quando você olha muito tempo a outra pessoa sente. Daniele descobre com satisfação que está sendo cobiçada. Melissa fracassa em disfarçar.
- Segundo relatório de testemunhas, os elementos estavam envolvidos em atividade sexual explícita com exposição de partes íntimas do corpo, beijos, caricias e outras formas inapropriadas de contato...
O oficial pára a frase no meio como se tivesse acabado de se dar conta de algo. Levanta os olhos devagar primeiro pra Dani, depois vira pra Melissa, as duas mulheres. Quase dois minutos mais tarde um sorriso malicioso surge na sua cara gorda. Melissa fica ofendida.
- Acabou?
Do sorriso ele passa para uma risadinha safada, obviamente imaginando a cena.
- A terceira acusação é de desacato a autoridade onde as infratoras riram e debocharam dos oficiais presentes no flagrante. Pronto. Agora eu vou precisar dos dedos de vocês, se não for incômodo.
Daniele percebe que a irritação de Melissa está prestes a se manifestar e tentando evitar uma cena e maiores complicações ela toma a dianteira, se aproxima da mesa com a mão estendida para imprimir as digitais.
- Pois não, senhor, meus dedos, infelizmente não me deixaram lavar, espero que o senhor não se incomode.
Melissa tem que tossir para segurar o riso. Elas recebem suas roupas de volta sem pertences e documentos e são encaminhadas a cela.

***
Daniele esta sentada na cama roendo as unhas enquanto Melissa olha há quinze minutos para a privada podre no canto da cela. De repente ela vira desesperada, com a mão na testa.
- Você não vai fazer nada?
- Na privada?
- Daniele!
- Ups, nome inteiro. O que você quer que eu faça?
- Sei lá, liga pra alguém, chama um advogado.
- Onde eu vou achar um advogado em Fannypack Hills?
- Eu sou advogada.
- Jura?
- Sim. Mas não importa, a gente tá na cadeia, isso é muito sério, alguém tem que tirar a gente daqui.
- Bom... Não sei o que fazer... A única advogada que eu conheço ta presa.
Daniele ri de si mesma e isso ao mesmo tempo fascina e irrita Melissa.
- Não tem graça.
- Tem um pouco. Vem cá.
Melissa ignora, continua com a mão na testa encarando a privada.
- Melissa? Lis? Doutora?
Ela leva um susto quando Melissa exclama de repente.
- E se eu precisar usar a privada, por exemplo? O que a gente vai fazer?
- Eu viro de costas, fecho os olhos e os ouvidos.
- E se a gente ficar aqui dias?
- Eu fecho os olhos, os ouvidos e o nariz.
Melissa se joga de bruços na outra cama com o rosto enfiado nas mãos. Daniele desconfia que ela está chorando. Isso não é bom. Levanta do seu catre e deita do lado. Mexe no cabelo comprido e macio, fala baixinho.
- Fica calma, a gente vai dar um jeito. Mas agora é muito tarde, todo mundo está dormindo. Mesmo que a gente consiga um advogado, não tem ninguém aqui pra nos soltar. Mas amanhã de manhã a gente resolve tudo.
- Você não pode ligar pros seus pais?
- Não.
- Por que?
- Porque eles não viriam.
Melissa levanta a cabeça.
- Deixariam você na cadeia?
- Não quer nem tentar?
- Pra ouvir da boca deles que eles não ligam? Não.
Já deve ter acontecido antes, ela pensa. E deita de novo. O cafuné estava bom. Ela ouve Daniele dizer.
- Dorme.
E obedece.

(continua)

quarta-feira, abril 09, 2008

IN FANNYPACK HILLS


Parte 9



Ela caminhou pela estrada por umas boas duas horas antes de chegar no centro da cidade. Às vezes uns paralelos com a Jodie Foster ameaçavam aparecer na sua cabeça mas ela apertava o passo pra ser mais rápida que o pensamento. Alguma coisa estava errada porque absolutamente nada estava errado e ainda assim ela não se sentia bem.
- Ótima hora para uma caminhada.
Melissa deu um grito imaginário. Ela não é o tipo de pessoa que deixa o grito sair.
- Dani. O que você tá fazendo aqui?
- A minha balada começa quando acaba a sua. Não tinha uma frase sobre a liberdade que era assim?
- Não sei.
- O seu namorado deve saber. Ele é bom com frases feitas. Vinho?
- Não, brigada.
- Toma um pouco, é bom. Senta, o pub da Dani acabou de abrir, daqui a pouco tá bombando.
Melissa tem o ímpeto de dizer não mas pensa bem e não encontra nada que a impeça. E ultimamente isso tem sido seu maior motivo para fazer qualquer coisa. Senta no chão, toma um gole direto da garrafa e faz uma careta. Daniele ri de um jeito discreto mas genuíno que sempre faz Melissa parar o que está fazendo pra tentar ver.
- É isso que você faz pra se divertir?
- Às vezes. A essa hora ninguém enche o meu saco. Sento aqui, bebo um pouco, depois vou pra casa dormir.
- Não se sente sozinha?
- Eu sou boa companhia.
- Eu também costumava ser, mas ando meio de saco cheio de mim mesma.
- Falando nisso de onde você saiu?
- Como assim?
- Você apareceu do nada aquele dia no Middlefinger.
- Eu venho viajando há dois meses.
- Mora onde?
- Lugar nenhum.
- Trabalha?
- Não mais.
- Rica?
- Não.
Daniele passa a garrafa e pára de falar. Melissa estranha um pouco as perguntas pararem por aí, sem nenhuma resposta satisfatória.
- Dani?
- Hã.
- Você tem namorado?
- Você só pode estar brincando.
- Por que?
- Que tipo de pergunta é essa?
- Desculpa, não quis invadir sua privacidade.
Daniele muda de posição na calçada pra poder ficar bem de frente.
- A questão não é privacidade. A questão é que você sabe a resposta.
Melissa olha pra dentro da garrafa. É, ela sabe mesmo desde o primeiro minuto que Daniele é gay e não tem namorada. No fundo não estava realmente perguntando. Estava provocando. Melhor mudar de assunto.
- E se agente subisse no cavalo?
- Na estátua?
- É.
- Pra que?
- Pra ver se cortaram o pinto do cavaleiro ou não.
Daniele deita no chão rindo, a camiseta sobe e mostra a barriga e as costelas. Melissa tem vontade de por a mão pra saber que textura tem, se é quente.
- É sério, vamos?
- Você tá bêbada já?
Melissa levanta e faz o quatro.
- Ok.
- Traz o vinho.
- Como eu vou escalar uma estátua com uma garrafa na mão?
- Não sei, Daniele, deixa de ser mariquinha e dá um jeito.
- Tipo de comentário que mexe com a minha masculinidade.
- Vem, Dani, me ajuda.
Melissa já está em cima do pedestal tentando alcançar com o pé o arreio do cavalo, mas é muito alto. Daniele faz um degrau com as duas mãos e ela monta como se o animal fosse de verdade. Lá em cima, trava o pé do outro lado e deixa Daniele usar sua perna direita como corda pra subir e sentar na sela na frente da estátua e atrás de Melissa. Olhando de longe, o monumento agora tem três cavaleiros.
- Você sente o pau da estátua roçando atrás de você?
- Que nojo, não!
- Então a gente vai ter que virar pra olhar.
Com certa dificuldade Melissa inverte sua posição na sela até as duas ficarem cara a cara, as pernas inevitavelmente abertas, Daniele olhando muito séria.
- Eu preciso perguntar.
- O que?
- Onde você estava essa noite?
- Na casa do Pedro.
- Fazendo o que?
- É uma pergunta retórica ou você quer mesmo que eu conte?
As duas se encaram. Daniele está até com raiva. Dá pra ver os músculos da mandíbula se mexendo. Melissa quase se distrai olhando pra eles.
- Você me beijou naquela noite. Pelo menos me lambeu. Ou vai dizer que não lembra?
Melissa decide não responder porque dessa parte ela lembra mas não quer dizer.
- Lembra?
Não adianta insistir, ninguém pode obrigá-la a falar. Podia ficar pra sempre parada lá, não dizendo nada.
Só que Daniele não é boba, não é burra, não é insegura e sabe reconhecer uma tática de defesa. Com a língua molhada ela lambe devagar a boca de Melissa, depois diz baixinho.
- Lembra?
O coração de Melissa dispara. Engraçado sentir a mesma coisa que há algumas horas só que em outra parte do corpo. Seu olhar derrete. Daniele volta agora com a boca toda e Melissa corresponde, uma porque é bom, outra porque sabia o que estava fazendo, sabia beijar uma mulher, e isso lhe dá uma alegria e uma excitação que substituem o cansaço que o corpo deveria estar sentindo. A garrafa de vinho se estilhaça no chão. Daniele sobe as mãos por suas costas depois desce uma delas, só pra subir de novo pela frente, levantando sua camiseta. Depois puxa Melissa para o seu colo, as mãos fazendo a curva por trás das coxas. Melissa olha pra baixo e vê Daniele com o rosto vermelho, os olhos cheios de tesão.
- Ei.
Daniele olha pra Melissa e não acredita que essa mulher possa ter sentido com aquele cara a mesma coisa que ela está vendo.
- Ei vocês!
Caralho tem alguém aí. Melissa pára instantaneamente e abaixa a camiseta. Daniele demora mais pra sair do transe.
- Vocês estão presos por desacato ao patrimônio público e atentado violento ao pudor. Desçam devagar, com as mãos onde eu possa ver.
Daniele fala baixinho enquanto ajuda Melissa a descer.
- Bem que ele gostaria de ver onde eu acabei de por as mãos.
Melissa chega no chão gargalhando.

(continua)

terça-feira, abril 08, 2008

IN FANNYPACK HILLS


Parte 8




Eles andam pela rua já vazia um pouco nervosos. Nunca lembrariam do que disseram ou ouviram naquele percurso porque estavam pensando em outra coisa. Ele diz.

- Olha, eu posso te levar.
- Pra onde?
- Aonde você quiser.
- Eu não sei aonde eu quero ir.

Não é que ela disse sim, mas ela não disse não. Vão pra casa dele. Deitam no jardim olhando pro céu. Normalmente nessa situação as pessoas falam sobre suas infâncias. Mas ele não sabia falar e ela tinha perdido comunicação com o seu cérebro. Ele se apóia no cotovelo. A única coisa que pode interromper essa angústia é um pouco de ação. Eles se beijam.

No começo era só a boca, mas inevitavelmente tudo acaba encostando. Os ombros, o tórax, depois o quadril. Melissa se surpreende um pouco. Aquela área que normalmente é vazia nas suas parceiras, está cheia. Ali está toda a novidade e é a coisa mais excitante que já sentiu desde o primeiro beijo.

Tateia até a área cheia. “Aqui tem um pau e está ficando duro na minha mão” é seu ultimo pensamento coerente. Ela ameaça ir pra cima, mas ele é que vem. Aperta e mexe o quadril devagar, tentando ser imperceptível. Apavorada e morrendo de tesão, ela também mexe, mas sem disfarçar, e abre as pernas. Ele sobe sua camiseta, ela abre sua calça, ele tenta retroceder para as preliminares, ela puxa de volta, fodam-se as preliminares, ela tira as duas calças, a dele e a dela.

Continuam naquele movimento, ele em cima, indo e vindo, ela embaixo puxando e apertando e abrindo. Por isso não sabe por que ficou tão surpresa quando sentiu que ele estava dentro dela. A brincadeira tinha acabado, estava sendo comida no sentido Clintoniano da palavra. Achou que fosse doer, mas não doeu. Era bom. Mas faltava alguma coisa.

- Camisinha...

Nada.

- Camisinha, Pedro.

Nada. Ela empurra ele de dentro de si pelo quadril e o mantém a uma distância segura com os braços esticados enquanto olha desesperada.

- Camisinha Pedro!

Pedro com cara de quem acabou de acordar revira a calça para achar um bolso, o bolso pra achar a carteira, a carteira para achar a camisinha. Ela agarra o envelopinho, arranca um pedaço com os dentes e coloca nele sem pensar no que estava fazendo. E puxa de volta pra dentro com um gemido. Com as mãos ainda nos quadris escolhe o ritmo, nem muito rápido nem muito devagar, cada vez mais forte, cada mais fundo. Sente que vai sufocar ou explodir, um dos dois. Goza rápido enroscada nele. Fica deitada na grama tentando respirar. Não sabia se ele tinha gozado. Não ia perguntar.

- Não sai ainda.

Quinze minutos depois fica frio e Pedro leva Melissa para a cama.

***

Enquanto ele dorme ela olha. O corpo dele é musculoso, duro, mas a pele é macia e quente. Muito, muito clara. Lindo. Tão bonito que ela tem vontade de... De matar. Não aguenta ficar ali. Pega suas roupas e sai pela janela.

(continua)

segunda-feira, abril 07, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 7


Instalda no banco do passageiro do seu carro ela lembra de Pedro, todo atrapalhado tentando ser engraçado. Deve ser horrível ser homem. Tanta expectativa pra cima de você. Ele era meio insignificante, mas não repugnante. E o fato de ter deixado ela lá, recém-beijada e com a boca ainda meio aberta, foi intrigante. Como ele pode? Depois Daniele de mau-humor. Ri sozinha de pensar nela parada e alheia no meio de 200 pessoas dançando. Moça de personalidade.

O que aconteceu depois? Como foi parar naquela cama? Quem tirou sua roupa e o que fizeram antes de dormir? Apesar do aperto no estômago, uma parte dela estava gostando. Controladora por natureza, estava experimentando a liberdade de ter sobrevivido a uma situação completamente fora do seu controle. Bom, de qualquer maneira, sempre podia pegar o carro, ir embora da cidade e nunca mais ver a cara de nenhum dos dois. Voltando à cama, se era para ter dormido numa, gostaria de pelo menos ter estado sóbria. Só pra lembrar da sensação de conforto. Eram duas da manhã e Melissa não tinha sono. Deve ter sido boa, a sensação. Deve ter dormido bem.

As seis horas da manhã desistiu. Separou as roupas sujas, limpou o carro e foi pra cidade. Cidade: um café, uma lanchonete, uma farmácia, uma lavanderia, um correio, uma loja de tudo, um salão de beleza, um mercadinho, uma videolocadora, um posto de gasolina. Tudo espalhado em dois quarteirões. Durante o dia lavou roupa, comprou meias, fez as unhas, cortou o cabelo, comprou uma garrafa de vinho, um estojinho de maquiagem e um hidratante cheiroso, na falta de perfume.

Voltou pro camping, tomou banho, vestiu uma roupa limpa e saiu pra passear. Era sábado e a cidade inteira estava na rua.Ela tenta decifrar os códigos e os rituais do lugar. Todos se cumprimentavam. O fluxo aumentava perto do bar local. Dois homens de chapéu de caubói riam de qualquer bobagem. Um terceiro parecido com o Mel Gibson chega a cavalo. Maverick! Melissa sorri. Não existe situação que não seja explicada pela Jodie Foster.

***

Ela entra no bar e procura uma das mesas de canto. Examina o cardápio, pensando se pede uma cerveja ou não, depois do vexame de quinta-feira. Olha em volta. Ninguém não bebe. E todos parecem felizes. É, uma cerveja vai cair bem. O garçon se aproxima e ela aponta na lista uma de nome alemão.
- Eu vou querer uma dessa aqui ó e... Você?!
- Ao seu dispor.
- Emprego novo?
- Eu disse que tinha uma entrevista.
- Parabéns.
Daniele ri.
- Não sei bem porque. Eu tenho 30 anos e sou garçonete.
- E daí?
- Daí que eu derrubo comida nas pessoas.
- É... talvez não seja seu maior talento.
- Espero que não. Uma dessaqui então?
- É.
- Pra comer?
- Não sei ainda.
- Aqui eu não posso te ajudar, não conheço o cardápio direito. Vou pegar sua bebida enquanto você escolhe.
- Tá.
Melissa volta a se concentrar no cardápio, mas um minuto depois é interrompida de novo.
- Melissa?
- Pedro!
- Você lembra.
- De certa forma você foi inesquecível.
Ele faz uma careta meio envergonhada.
- Pois é. Desculpa eu...
- Tudo bem.
- Sério, eu sou péssimo nisso de puxar assunto. Meus amigos tentaram me ensinar mas acho que... Acho que eles não são muito amigos.
- Tudo bem.
Ele não sabe mais o que dizer mas não sai dali. Ela decide torturá-lo um pouquinho e não fala nada. Até que se cansa de vê-lo sofrer.
- Quer sentar?
- Você não se importa?
- Não, não, tava escolhendo alguma coisa pra comer.
- Pede o hamburguer. Muito bom.
- É?
- Hm.
Daniele chega com um copo de cerveja e uma cara de cu.
- Já escolheu então.
- O que?
- A comida.
- Hamburguer.
Pedro completa.
- Dois. E um suco de laranja.
A garçonete praticamente joga o copo na mesa e sai pisando forte.
- De onde você é?
- De longe.
- Tá de férias por aqui?
- Mais ou menos?
- Como é isso?
- Pensando bem tô de férias sim. Você mora por aqui?
- Sim, na fazenda do meu pai.
- Herdeiro?
Ele ri.
- Inevitável, né? Eu e meus dois irmãos.
- Você gosta do trabalho da fazenda?
- Não. Gosto só de morar lá.
- O que você faz então?
- Sou escritor.
- Escritor? Sério? De que?
- De qualquer coisa. Publicado mesmo só tenho romances, mas eu também gosto de escrever poemas. Ninguém mais publica poesia.
- Romancesss, no plural? Quantos publicados?
- Quatro.
- QUATRO?
- É. Um deles ganhou um prêmio desses internacionais. Já foi traduzido pra duas línguas.
Melissa está incrédula.
- Como uma pessoa que tem quatro romances e um prêmio tem a coragem de me brindar com aquelas pérolas que você me ofereceu aquela noite?
Ele fica vermelho.
- Pois é, eu não sei falar.
Dois pratos com hamburgueres e batatas fritas são arremessados no meio do diálogo. Ele segura Daniele que já ia escapulindo pela barra do avental e pede ketchup. Melissa olha pra ela e pergunta:
- Dani, tá tudo bem?
- Claro.
Eles não comentam o comportamento da garçonete. Eles comentam os livros que gostam de ler. Os dois gostam de “O Conforto dos Estranhos” mas não da “Reparação”. Engraçado. Daniele menos carrancuda volta até a mesa.
- Aqui está o seu ketchup senhor.
- Brigado. Quer?
- Não.
- Por que será que as mulheres em geral não gostam de ketchup?
- Você acha que isso é assim uma estatística?
- Parece.
- Eu gosto. Dá aqui.
- Não precisa comer só pra me mostrar, eu acredito.
Melissa fica um pouco irritada com a presunção. Ele pega o ketchup, vira a bisnaga, aperta sobre o prato. Então a tampa do ketchup cai e todo o conteúdo do frasco junto, soterrando as batatas.
- Merda.
Ela tem vontade de rir, mas sabe que tem que segurar. Só que ter que segurar torna a vontade incontrolável.
- Pode rir, mas me dá umas batatas das suas.
- Desculpe, é que eu tenho essa coisa, sempre que eu não posso rir eu tenho mais vontade ainda. Era um problema com a minha mãe.
- Aham.
- Pode pegar todas as batatas, eu quero só o sanduíche.
Ele é tímido. Mal olha pra ela. Por outro lado, ele aceita suas batatas. Não fica “tem certeza, tem certeza?” Ela gosta disso.
- Acho que a moça esqueceu meu suco. Moça!
- Pois não.
- Meu suco?
- Já vem.
Lá vai Daniele.
- Você não bebe?
- Bebo. Mas adoro suco de laranja. Daqui a pouco eu peço uma cerveja.
Chega o suco. De novo ele tem que puxar o avental para pedir.
- Açúcar?
O açucareiro chega. Daniele olha bem pra Melissa, que está com a boca cheia e tenta engolir e disfarçar o calombo de comida na bochecha. Pedro coloca quatro colheres de açúcar no suco e mexe com o canudo. Depois tira o canudo e bebe do copo direto. E cospe.
- Isso é sal!
Melissa examina o açucareiro, coloca um pouquinho do pó branco na língua. Salgado. Por alguma razão, ela olha direto pra Daniele, que está debruçada sobre o balcão olhando para eles com um quase sorriso. De novo, Melissa não pode rir. E ri.


(continua)

domingo, abril 06, 2008

IN ANNYPACK HILLS

Parte 6


Melissa acorda com a estranha sensação de estar numa cama. Não pode ser. Ela mora num carro. Com as mãos examina a superfície onde está deitada. Macia. Tem um tecido solto por cima. Tpo lençol. Só pode ser uma cama. Mas de quem? Em pânico, ela tenta lembrar da noite anterior. Tinha um cara de terno preto pegando no seu pescoço. Não pode ser.
Ela toma coragem e vira a cabeça devagar. Sim, é uma cama e tem mais alguém nela. Espera as pupilas abrirem. Daniele. Depois de três segundos de alívio, coloca a mão na testa se perguntando que caralho estava fazendo ali. Levanta. E sem roupa ainda por cima. Daniele acorda.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Dormiu bem?
- Não lembro.
- Café?
- Não.
Cata suas roupas espalhadas. Difícil procurar, se esconder e fugir ao mesmo tempo. Daniele acende a luz. Melhora, mas piora. Melissa se veste tão rápido que a camiseta fica toda torta. Ela não arruma, senta no chão pra calçar os tênis. A boca seca, a cabeça doendo, a respiração cheirando a álcool. Não lembra como tinha chegado àquele quarto do pânico nem o que havia acontecido desde então. Fica irritada como se fosse culpa de outra pessoa. Daniele está saindo da cama. Rápido, ela pensa. Enfia o tênis de qualquer jeito e coloca as meias no bolso.
- Brigada, tenho que ir.
Daniele aponta para o volume das meias no bolso da calça.
- Você sempre acorda assim?
Ri baixinho. Melissa nem responde e vai pra porta.
- E de bom humor também.
A porta está trancada. Melissa procura a chave angustiada, como se estivesse fugindo de um psicopata.
- Espera dez minutos que eu te levo.
- Não posso, tô atrasada.
- Atrasada pra que?
- Eu PRECISO ir.
- A chave tá aí nessa caixinha.
Melissa sai sem olhar pra trás. Daniele senta no sofá pra terminar de acordar. Espia o relógio, oito da noite. Cinco minutos depois ouve uma batida na porta. Abre. Melissa está lá, coçando a cabeça.
- Como é que eu saio daqui?
- Eu já disse que eu te l...
- Não.
Daniele troca o peso de perna.
- Ok, praonde você quer ir?
- Perto daquela estátua do cara montado num cavalo sem pau.
- Segue essa rua até encontrar um posto de gasolina e vira a esquerda. De lá você já vê a estátua.
- Obrigada.
- Como você sabe que não é uma égua?
- Não tem cara de égua.
- Parece que foi a Sra Middlefinger que mandou tirar o pau do cavalo.
- Sério?
- Sério. Dizem que o do cavaleiro também...
- Também?
- Não posso jurar, nunca vi de cima. Dizem.
Melissa ri, finalmente.
- Tchau, Daniele.
- Dani.
- Dani?
- É. Daniele é meio marica.

sexta-feira, abril 04, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 5


- Você veio afinal.
- Vim.
- Cancelou a entrevista?
- Entrevista?
- De emprego. Você não tinha uma?
Daniele não responde.
- Legal aqui.
- Como você pode beijar aquele cara?
- Hã?
- Ele não disse uma palavra que fizesse sentido!
- Sei lá, beijei.
- Ele é praticamente retardado.
- E o que você tem com isso?
- Pois é. Nada.
Ela tira o pé da parede, cruza por cima do outro, se apóia de lado, no ombro. Olhando assim, Melissa pensa, lembra a Jodie Foster no poster do Taxi Driver. Só que mais infantil.
- Ainda bem que você veio. Agora não sou mais a única mulher de calça.
Daniele vira meia garrafa de cerveja.
- Vamos pegar outra bebida que a sua acabou.
Melissa puxa a outra pelo braço, pega as bebidas, paga, entrega. Bate com o copo de vodca na garrafa de cerveja.
- Tim tim. Vamos dançar.
- Não…
- Sim.
Melissa dança. Daniele não. E assim segue a noite. Como se fosse a coisa mais normal do mundo uma ficar plantada onde todo mundo dança e a outra dançar onde se fica plantado. Se revezam pra ir ao bar quando as bebidas acabam. Não conversam. Mas depois de um certo tempo começam a sentir uma intimidade que só quem dança mesmo quando o outro não quer e vice-versa sabe explicar. Ficam bêbadas e às vezes sorriem por nada.
Isso dura até o DJ acender a luz para avisar que acabou a festa. Melissa cambaleante cobre os olhos com a mão.
- Isso é uma falta de educação.
- Acabar a festa as seis da manhã?
- Não, acender a luz.
Daniele tira seu bone e coloca na cabeça de Melissa. Beber seis vodcas é bem diferente de beber seis cervejas.
- Melhor?
- Muito.
- Então vamos.
- Ainda tem gente dançando.
- Você diz essas quatro pessoas?
- É. Vou falar com o DJ.
- Espera.
Não dá tempo, Melissa já está na ponta dos pés gritando pra dentro da cabine do DJ.
- Moço!
Daniele pára do lado meio sem graça.
- Moço, ainda tem gente dançando.
O DJ dá uma risadinha condescendente.
- Você não pode acabar a festa assim.
- Claro que posso.
- Mas isso é uma falta de respeito!
Daniele tenta ser razoável.
- Deixa pra lá, é tarde, e se a gente fosse tomar café da manhã?
- Tarde nada, ainda nem tocou aquela música voulez-vous coucher avec moi ce soir...
Enquanto canta ela rebola até embaixo e volta. Ela implica com o DJ e Daniele tenta tirá-la de lá.
- Você é meio surdo prum DJ...
- Melissa...
- Voulez-vous coucher avec moi ce soir...
Até embaixo rebolando. Quando volta tem um segurança-armário de terno preto ao lado dela. Daniele interfere.
- Moço, a gente já tá indo embora.
- Como é o seu nome?
- Ivan.
- Ivan, a minha festa não acabou, entendeu? Eu não tô nem um pouquinho cansada.
Daniele tenta rebocá-la pela cintura. Melissa esperneia.
- Ivan me traz um uísque!
Daniele perde a paciência e a segura de frente pelos dois braços, logo acima do cotovelo.
- Pára um pouco...
Melissa se retorce mas Daniele é mais forte.
- Será que eu vou ter que te amarrar?
Instantaneamente Melissa pára de oferecer resistência e olha com muita vontade. Presa pelos braços ela estica o pescoço até onde pode, mas ainda assim está longe. O resto do percurso é feito pela língua, que lambe a boca perplexa de Daniele. Ivan pega as duas pela nuca e arrasta pra fora do Fake Joy.

quinta-feira, abril 03, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 4


Melissa olhou pro carro e teve vontade de chorar. Era quarta de manhã e não havia nada que pudesse fazer até quinta a noite. Poderia ir para outra cidadezinha, mas que diferença faria? Depois de um certo tempo, todas as paisagens eram iguais e todas as trilhas davam em lugar nenhum. Sentou no banco do passageiro só pra variar. Não queria mais dirigir, nem a própria vida. Pensou em Daniele. Daniele escolheu seu café da manhã. Mas isso era mais uma armadilha lésbica. A mulher protetora, compreensiva, acolhedora, perfeita. E quando tudo estava perdido, quando Melissa estava perdida, essa mulher passava a ter uma personalidade, vontades próprias. Que não eram as de Melissa. Era as de alguma outra. Como na continuação do Silêncio dos Inocentes. Quando você espera Clarice Starling, eles aparecem com Julienne Moore. Uma mulher laranja.

Durante 36 horas Melissa ficou sentada no banco do passageiro bebendo e dormindo, esperando a hora certa de mudar de vida.
Depois tomou banho, comeu um sanduíche de presunto e queijo, penteou de novo o cabelo e saiu pro Fake Joy. Com a camiseta amassada e sem perfume mesmo.

***

O Fake Joy era um lugar enorme, cheio de ambientes diferentes, com luz negra e muita gente de branco. Tocava R&B. Rapazes andavam em grupos masculinos. Garotas em grupos femininos. Havia pouca comunicação entre eles.
Melissa foi até o balcão um pouco nervosa. Pediu uma Vodca. Assim como no dia em que chegou ao Middlefinger, tinha a sensação de que sua indumentária atraía olhares. Ou repelia. Ela realmente estava em desacordo com o dress code. A única mulher que não estava de vestido curto e salto. Não esperava ter que usar nada parecido. Quando fez a mala sua idéia era apenas nunca mais ter contato de espécie algum com ser humano de espécie alguma. Mas depois de dois meses sozinha foi formulando a possibilidade de um relacionamento com um homem. Mais por uma necessidade física de sexo. Mais pela necessidade psicológica de não ter que se envolver com uma grande carga emocional.
Mas agora não tinha vestido. E todas aquelas moças que ela teria julgado caipiras estavam num patamar socialmente superior ao dela. Mais uma vodca. Ela ouve uma voz de homem por trás.
- Machucou?
- Como?
- Machucou?
- Por que?
- Porque você caiu do céu.
Melissa não reage. Foi a coisa mais idiota que ouviu nos últimos anos.
- Entendeu? Perguntei se você se machucou quando caiu do céu, anjo.
Não só repetiu como explicou. Mas espera, ela pensa. Calma. Outra dinâmica. Ele está sob pressão. Toda a responsabilidade está depositada nele. Paciência. Não era feio.
- Não, não machuquei não.
E deu um sorriso coquete.
- Que bom. Vem cá, por acaso seu pai é pirata?
- Pirata?
- É. Porque ele tem um tesouro em casa.
Melissa engoliu o resto da vodca de um gole só.
- E se você a gente fosse pegar outra bebida?
- Claro! Não convidei antes porque não sabia que boneca andava.
Quando chegou no bar ela pediu logo duas doses. E pra ele?
- Cerveja.
A bebida chega e eles ficam sem assunto. Mas ele não deixa o silêncio tomar conta. Aponta pro chão e grita:
- Caiu o papel, caiu o papel!
Melissa olha em volta espantada.
- Que papel?
Ele olha sedutor.
- O papel que te embrulha, bombom.
- Ok. Eu acho que já entendi. Obrigada. Mas pode parar com as cantadas.
- Porque, gata, não acredita em amor à primeira vista?
Inexplicavelmente, a imagem de Daniele surge na sua cabeça.
- Não.
- Então olha de novo!
Ela não aguenta mais.
- Olha, eu adorei conversar com você mas eu tenho que ir, o último ônibus passa em 10 minutos. Prazer, viu.
- Pera, pera. Caiu uma coisinha aqui na sua blusa...
Ele toca de leve sua camiseta entre os seios. Ela abaixa a cabeça para olhar. Ele sobe a mão, pega no seu queixo e a beija. Melissa beija de volta. É quase igual a todo primeiro beijo. Estranho.
- Como é seu nome?
- Melissa.
- Pedro. Volta na próxima quinta.
Ele é que sai. Logo atrás de onde ele estava, com uma cerveja na mão e um pé na parede, Daniele olhava sem disfarçar.

(continua)

quarta-feira, abril 02, 2008

queer central sydney



Acho q eu nao nasci, fui achada no lixo.

IN FANNYPACK HILLS

Parte 3


Ela espiava e brincava com sachês de açúcar.
A garçonete olhava a cada dois segundos.
Melissa, a cada dois segundos, disfarçava.
Não sabia mais o que fazer com os sachês. Resolveu equilibrar o garfo num palito, truque de bar que aprendeu com a amiga Jellybean. As mulheres adoravam. Exigia concentração.
A garçonete olhava e desolhava.
Como se concentrar assim? O garfo cai. Melissa tenta segurar, derruba a faca e o Tabasco. Junta rápido. A outra traz um garfo e uma faca limpos. Melissa fica incontrolavelmente vermelha e não tira mais os olhos da mesa. Relê o nome do café impresso no guardanapo 36 vezes.
- Seus pequenos lábios estão prontos.
Finalmente. A garçonete traz uma caneca de café e dois pratos no antebraço do coração. Mas algo compromete o equilíbrio do momento e tudo cai. O café, a torrada com a manteiga para baixo, a salada secreta. Metade de um pêssego cai no colo de Melissa.
- Deixa que eu limpo.
A garçonete junta o pêssego e segura com a boca. Suco escorre pelo queixo, pelo pescoço e ela usa o avental para esfregar a calça de Melissa, que deixa. Nem pensar na Jodie Foster em “Anna e o Rei” poderia salvá-la daquela situação. Suas fantasias eroticas nunca pensaram nisso. Definitivamente não vai mover um dedo. É mais forte do que ela. Está quase fechando os olhos e entreabrindo a boca quando ouve um grito.
- De novo fazendo lambança nos Pequenos Lábios, Daniele?
Não foi o grito que interrompeu o transe. O grito interrompeu a limpeza. Que interrompeu o transe.
A garçonete – Daniele – endireitou como um soldado. Uma senhora que parecia um sofá – vestida de couro dos pés à cabeça – sai de trás do balcão apoiada numa bengala. Ela tem os lábios virados pra baixo, uma careta que parecia fazer parte do rosto.
- Chega, Daniele. Pro escritório agora.
E pra Melissa, com um ar gentil.
- A senhorita me desculpe. Vou mandar vir outro num instante. Pequenos lábios, não?
Melissa não tem condições de responder, ainda mais a uma pergunta dessas. Faz um meio sim com a cabeça.
- Já, já. E novamente, minhas desculpas. Esse assunto vai ser resolvido. Essa menina é um desastre.
Aparentemente era a dona do café, Sra Middlefinger. Ela vai até a janelinha da cozinha, dá ordens, depois empurra Daniele pro escritório e entra atrás. Melissa fica olhando para a porta, como se alguma informação pudesse vir dali. Depois de dez minutos a porta abre, seu novo café da manhã chega, Daniele sai, tira o avental, joga no balcão, deixa o restaurante, senta na sarjeta e acende um cigarro. Melissa bate no vidro da janela. Daniele vira. Melissa chama com a mão. Daniele apaga o cigarro e entra.
- Eu fui despedida.
- Melhor ainda. Agora você pode sentar aqui comigo. Quer um pouco dos meus pequenos lábios?
Daniele sorri. Ri daquele jeito, gostoso e baixinho. Ela quer.

***
Melissa corta metade da torrada e coloca num guardanapo na frente de Danielle, junto com um garfo limpo.
- Então você é Daniele?
- É. E você?
- Melissa.
- Prazer.
- Igualmente.
Dois sorrisos.
- Pode comer a vontade, eu estava brincando. Você deve estar com fome.
- Não muita. Me ajuda.
- Só um pouquinho então.
Elas dividem a salada da mesma tigela. Quase como a dama e o vagabundo. Melissa gostaria de ser a dama mas estava se sentindo o vagabundo.
- Você mora aqui?
- Sei lá. Meus pais moram. Mas eu preciso trabalhar e estou ficando sem possibilidades.
- Esse é o único emprego da cidade?
- O único não. Mas um dos únicos que eu não tinha tentado.
Mastigam. Daniele segue.
- Quando você já foi demitida de 5 lugares em uma cidade que deve ter uns 10 empregos, você meio que pensa que não serve pra nada.
- Não fala assim...
- Sério. Eu até que durei muito nesse aqui. Achei que fosse ser mandada embora antes. Ontem eu derrubei o café da manhã no colo do prefeito. Na hora, achando que era a coisa certa, eu disse “deixa que eu limpo seus ovos” e esfreguei a calça dele.
Melissa quase engasgaou com um pedaço de maçã. Daniele continua.
- Por ele tudo bem, a Sra. Middlefinger é que não gostou muito.
Melissa riu um pouquinho mas logo ficou séria.
- Achei que fosse só comigo.
Ela falou sem pensar, claro. Depois que as palavras saíram teve vontade de derreter. Mas Daniele respondeu com uma inocência quase comovente.
- Com ele foi o Big Bold Breakfest. Pequenos lábios só os seus.
Melissa sorriu para as frutas e ficou quieta.
- Dani?
- Hm.
- Você conhece bem a região?
- Conheço. Por que?
Por quê mesmo, Melissa se perguntou. O que ela queria com uma garota que era atraente, mas mesmo assim uma garota? Ainda mais agora que tinha decidido ter uma vida simples, fácil, resolvida, com um marido e filhos? Nada.
- Onde as garotas daqui vão pra… Conhecer rapazes?
Daniele engole o que tinha na boca sem mastigar. Larga o garfo e responde pro guardanapo.
- Não sei.
- Mas você não mora aqui?
- É que eu não… Não vou lá. Mas as meninas costumam ir as quintas no Fake Joy. Ou pra capital no fim de semana.
- Você iria comigo?
- Não.
A resposta foi tão direta que desconcertou as duas. Daniele se sentiu um pouco culpada.
- Você não tem namorado?
- Não.
- Está procurando um?
- Acho que sim.
- Fake Joy então. Na quinta. Desculpe eu não te acompanhar mas é que eu preciso dormir cedo pra procurar emprego, sabe...
- Claro.
Nunca duas pessoas estiveram tão atrapalhadas numa mesa só. Ou talvez já mas como elas estavam no topo da cadeia sentimental nesse momento, nada poderia ser mais forte. Melissa vai pegar o guardanapo e derruba o Tabasco de novo. Faz menção de juntar.
- Deixa. Parece que ele não quer ficar nessa mesa mesmo.
Ela desiste. Daniele junta suas coisas para ir embora.
- Obrigada pelo café.
- De nada.
- Tenho que ir. Boa sorte.
- Brigada.
Daniele levantou e saiu. Se tivesse outro avental jogaria de novo no balcão. O que ela esperava? Que todo mundo gostasse de pequenos lábios? Não. Numa cidade com Fannypack Hills não havia esperança.

(continua)

terça-feira, abril 01, 2008

IN FANNYPACK HILLS

parte 2


Sentada numa das mesas do Middlefinger Café ela olha o cardápio de café da manhã. Olha mas não lê. Há dois meses não come em público, sempre no carro, então tem a sensação de que todas as atenções estão nela, na sua calça suja, na camiseta amassada. Mas o desconforto é interrompido pelo garçom.
- Já escolheu?
Não é que Melissa olha para o garçom. Ela percorre o garçom. Jeans largado por baixo do avental, camiseta surrada, uma tatuagem de coração no antebraço esquerdo que segura o bloquinho, um dragão no direito que segura a caneta. Mãos angulosas, braços musculosos, seios pequenos. O que? Mas é uma...
- Garçonete?
- Sim?
Melissa está desconcertada. Além de pensar que a garçonete era garçom, ainda por cima falou em voz alta o que deveria estar apenas pensando. Fruto de dois meses de isolamento. Precisava tomar cuidado. E durante toda essa linha de raciocínio ela observava o rosto do garçom... Nete. Combinava com as mãos. Anguloso também. Podia passar por um garoto, talvez, mas não tinha barba e o olhar era definitivamente de mulher. Os olhos eram quase transparentes. E questionavam:
- Moça?
Melissa vira pro cardápio e implora a si mesma que pare de se colocar nessa situação, haja normalmente, fale alguma coisa, a garçonete estava esperando. Se sentia a Nell, criada na floresta e inapta a contatos sociais. Merda, lá vem a Jodie Foster. Tinha decidido que ia virar hétero, precisava aprender a pensar como uma e não usar a Jodie Foster como referência pra qualquer coisa. Olha pela janela, distraída. Abandonar a Jodie Foster vai ser a parte mais difícil de virar hétero. Sente uma mão no seu ombro. A garçonete agora gesticula muito enquanto fala devagar, separando as sílabas.
- A-se-nho-ra – senhora – gos-ta-ria-de...
Ah, ela está falando em linguagem de surdos.
- pe-dir-al-gu-ma-coi-sa...
Graças ao L Word as lésbicas agora usam os dedos até pra falar.
- pa-ra-comer?
- Eu não sou surda.
- Ah, desculpe.
- Não, eu é que peço desculpas. Tava distraída, não respondi. É que eu ainda não sei o que eu quero.
A garçonete senta na cadeira ao lado e pega o cardápio.
- Tudo bem, eu posso ajudar. Aqui. Quando eu quero subir a montanha a pé eu peço esse, Big Bold Breakfest, dois ovos, uma salsicha e mariscos. Uma deliciosa bomba relógio. Mas é como o Candyman, se você pedir 5 vezes você morre.
Ela ri baixinho da própria piada e olha pra Melissa só pra conferir se ela tinha entendido. Melissa sorri de volta. Era bom ouvir alguém rir com gosto, mas baixinho.
- Mas se é pra manter as artérias desentupidas ou fazer dieta – que não é o seu caso – eu sugiro esse: Pequenos Lábios. Torrada, salada de frutas e café. A salada de frutas tem um segredinho especial, não é só fruta picada.
- Não?
- Não. Muito melhor.
- Qual é o segredo?
- Segredo.
Essa última palavra foi dita baixinho, olhando nos olhos. E o suspense ficou no ar. E ninguém disse nada por quase um minuto. Até que Melissa achou que era seu dever acabar com isso.
- Pequenos lábios.
- Sabia!
E foi pra cozinha gritando.
- Moça da mesa 3, Pequenos Lábios!
Por um minuto Melissa achou que aquilo soava estranho. Mas olhou em volta e ninguém parecia notar. Relaxou e observou enquanto a garçonete ia de mesa em mesa anotando. Quis que ninguém mais pedisse Pequenos Lábios. Eram seus.


(continua)

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