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terça-feira, abril 06, 2004

THE LÉS FILES
(ou Arquivo XX)

Andando entre os jovens malabaristas que colorem os corredores do Sesc Pompéia, Scarteta não tem pressa. Circula um pouco amedrontada entre a multidão de novos hippies que gostam de reggae e fazem escola de circo. Teme pelo futuro da humanidade. Sente então um cheiro familiar, acompanhado de uma onda de enjôo, uma certa náusea que a invade desde que era criança. O cheiro de cigarro de cravo. Seu pai fumava cigarros de cravo. Dava uma tragada bem funda e soprava na sua carinha, rindo enquando a criança ficava verde, às vezes golfava. Ela pára um pouco, como que para se recompor. Apoiada a uma parede de tijolos, observa ao seu lado uma garota grávida, de saia longa, a adolescente que fuma Sampoerna. Seu pai não fazia por mal, era seu jeito de amar. Além disso, ela também queria comer sua mãe. Suando frio, toma coragem e engole o mal-estar. Segue a procura de Dana Escolhe. Até que, entre um mar de boinas nas cores da Jamaica, reconhece um turbante africano que trouxe do Zimbabwe há muitos anos, quando ela e Dana ainda eram recém formadas na academia. Desiludida por ter levado um pé na bunda, Scarteta passou 3 meses na África sem tomar banho e tentando ser missionária. Voltou quando não aguentava o próprio cheiro, com os pelos da perna alcançando os 3 centímetros, o buço já sombreando e o coração cicatrizado.

- Dan, o que é isso?
- Isso o que?
- Esse... Turbante?
- Ah, pensei que a gente ia atuar disfarçada...
- Mentira, você sempre quis usar isso...
- E não tinha ocasião, mas aqui fica perfeito, então me deixa. O que nós vamos fazer aqui?
- Você, provavelmente, vender acarajé. Eu vou encontrar uma pessoa que vai nos ajudar com as letras de música.
- Quem?
- Alguém que eu conheço.
- Quem?
- Não importa, uma aí.
- Se não é uma ex, como você disse, de onde você conhece essa pessoa? Kay, é importante pras investigações saber se a fonte é confiável.
- Tá bom. É minha irmã mais nova.
- Irmã?
- Sim. Eu tenho uma irmã neohippie que frequenta o Dinorah e já transou com o Paulinho Moska! E agora chega, não quero mais falar no assunto.
- Ok... É que eu nunca pensei que os mesmos pais que...
- Chega!!!

É então que elas ouvem:

- Mana!

Uma colcha de retalhos vem na direção delas. Pés no chão, as sandálias de couro penduradas na cintura, uma saia feita de vários pedaços de toalhas de mesa, lenço de chita no cabelo, top de croché, uma tigresa de unhas negras íris cor de mel, a pele escura, os olhos tranquilos de quem conhece o destino, uma criança de uns 2 anos pelada vem andando atrás, juntando do chão tocos de cigarro e comendo, unhas suja e brincos de pena. O sorriso distribui paz e tortura Scarteta.

- Mana, que saudade, vem aqui, deixa eu ver tua aura... Tá meio roxa. E essa é Dana? Nossa, que energia boa, posso por minha mão um pouquinho no seu chakra?

Confusa, Dana deixa. E a outra põe a mão entre suas pernas, fecha os olhos e fica lá, respirando fundo. Dana sente um calor, mas tem quase certeza de que é só troca de energia vital. Scarteta pensa em se matar, em desintegrar, em desonrar a memória de Lina Bo Bardi que inventou aquele espaço. Em destruir as pessoas que se reunem aqui como uma seita pra celebrar o fim da era do sabonete, do trabalho, dos tecidos sintéticos, da contracepção e da responsabilidade social. Só de raiva, acende um cigarro e sopra a fumaça na cara da criança.

limpinhamente,

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