<$BlogRSDUrl$>

quarta-feira, agosto 03, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES (e três mulheres)

Josefa entra no quarto bufando e, antes de sentar-se, examina toda a decoração. São 3 poltronas, uma estátua de bronze com a forma de um ser metade mulher, metade Ana Carolina. No canto, uma mesa com um caldinho de feijão frio e um trim. E um som ininterrupto, uma música bem baixinha: Simone canta João Paulo e Daniel.

Josefa é uma dyke bem dyke. Quase um homem. Ela senta-se numa das poltronas. Cruza as pernas. Fica sacudindo o coturno. A porta se abre e entra Inês, uma lésbica nem muito masculina, nem muito feminina, nem muito educada. Bonita.

INÊS
Olá. Eu sou a Inês.

JOSEFA
Jose.

INÊS
Que eu saiba, seu nome não é esse.

JOSEFA
Que você saiba de onde? Você me conhece?

INÊS
Não. Mas quando entrei aqui e olhei pra você, senti que esse não era o seu nome.

JOSEFA
Você tem um pouco de razão. Aliás, onde estamos?

A porta se abre. Entra Estela, a passiva absoluta, passiva e fútil, passiva, fútil e desafinada. Uma Sapatinha de Beverly Hills.

ESTELA
Que lugar horrivel, sem flores, sem gosto, sem vida.

INÊS
É isso! Sem vida! Acho que estamos mortas.

JOSEFA
Mortas?

ESTELA
Mortas?

INÊS
Sim. Não sejam repetitivas. Vocês não se lembram?

Ficam em silêncio um momento.

JOSEFA
É verdade. Eu morri. Não foi tão ruim quanto eu imaginava.

ESTELA
Que estatua horrorosa, de quem é?

INÊS
Eu sou Inês, esse ou essa é Josefa.

JOSEFA
Me chame de Jose, por favor.

INÊS
Claro. E que pronome devo usar para me dirigir a você?

JOSEFA
Que interessante. Nós mal nos conhecemos e você já esta sendo cínica. Por que?

ESTELA
Um trim! Que nojo! Alguém aí tem uma lixa?

INÊS
Não, nós não temos uma lixa. Nenhuma de nós morreu na manicure. Aliás, onde vocês morreram?

ESTELA
Por favor, você poderia parar com essa história de morte? Sempre me disseram que, se eu morresse, iria para o inferno. Se isso aqui fosse o inferno, estaria cheio de fogo, caldeirões com pecadores dentro, tridentes e a Vertiginosa distribuindo flyers pro chá com bolachas.

Inês fica em silêncio, não tem paciência para isso.

JOSEFA
Se não estamos mortas, onde estamos? Por que não há janelas, nem móveis, nem dia, nem noite e por que estamos as 3 aqui, juntas?

INÊS
A gente nunca vai descobrir se não nos apresentarmos melhor. Podemos começar contando como morremos. Isso pode nos dar pistas. (Para Estela.) Por que você não começa?

ESTELA
Você realmente acha que estamos mortas?

INÊS
Você tem alguma hipótese melhor? Não? Então vamos trabalhar com essa mesmo. Como você morreu?

Estela pensa.

ESTELA
Eu estava no provador da Gap pensando na Shane e experimentando um vestido com umas aplicações de flores... Depois não me lembro direito, tudo ficou escuro e eu apareci nesse corredor aí fora.

INÊS
Sei.

JOSEFA
Só isso?

ESTELA
É o que eu me lembro. E vocês?

JOSEFA
Minha namorada estava fazendo rafting em Brotas, quando ela caiu do bote. Eu me joguei atrás para salvá-la. Consegui soltar sua pochete das pedras, mas meu coturno ficou cheio de água, pesou e eu morri afogada.

ESTELA
Você é um herói, então.

JOSEFA
Ah, sei lá...

ESTELA
Não precisa ser modesta. Achei isso bem másculo da sua parte.

JOSEFA
Obrigada.

ESTELA
Sabe, tava pensando. Se nós estamos mortas, provavelmente passaremos o resto da eternidade trancadas aqui nesta quarto, juntas. (Estela se insinua para Jose.) Então seria legal se a gente tentasse se conhecer melhor...

Jose fica um pouco sem graça. Inês observa a cena e faz cara de quem vai vomitar. A estátua observa silenciosa uma guerra que começa.

Continua...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?