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quinta-feira, agosto 04, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES (e três mulheres)

Parte 2


Inês bate palmas ironicamente para a cena.

INÊS
Que romântico. A mocinha indefesa e o herói. Eu não via isso há anos. Por sorte.

ESTELA
Quanto cinismo, amiga. Você não tem amor? Falando em amor, como foi que você morreu?

INÊS
Eu fui assassinada por uma psicosapa. Mais detalhes, só depois que você parar de mentir.

ESTELA
Eu não estou mentindo.

INÊS
Claro que está, você é mais falsa que uma pochete Luis Vuitton. Você pode enganar essa daí, porque a pessoa quanto mais homem, mais boba fica. Mas a mim você não engana, sua lésbica de unhas grandes.

JOSEFA
Puta merda, como mulher é chata! Dá pra vocês pararem de papagaiar um minuto que eu tô tentando pensar?

ESTELA
Pensar em que?

JOSEFA
Na minha vida. No que aconteceu. No que é que eu fiz pra vir parar aqui.

INÊS
Você morreu e foi pro inferno.

JOSEFA
Mas ela tem razão. Se isso é o inferno, onde está o sofrimento? E o resto dos pecadores? Só existimos nós três?

Elas ficam em silêncio de novo.

INÊS
Deve haver alguma ligação entre a gente. Mas nós nunca vamos descobrir se você continuarem escondendo a verdade.

JOSEFA
Eu já contei a verdade.

INÊS
Então conte a verdade que veio antes dessa verdade. Essa pode ser a verdadeira verdade.

ESTELA
Hã?

INÊS
Você estava feliz no seu namoro? Por que estava fazendo rafting de coturno? A água é muito fria? A voz das areias que cantam é bonita? E você (volta-se para Estela), o que realmente aconteceu no provador da Gap, naquele momento em que tudo escurece na sua cabecinha vaginalmente oca? O que é que você tem tanto medo de contar?

Estela continua a agir no melhor estilo negação da realidade. Começa a falar com Jose como se Inês não estivesse na sala.

ESTELA
Então, Jose, será que eu posso te chamar de José?

Jose fica confusa com a atitude de Estela. Apenas hesita e não responde.

ESTELA
José, você não me acha interessante?

JOSEFA
É que eu acabei de sair de um...

ESTELA
Shhh, não fala nada, não. Só sente, José. Chega mais perto, você consegue sentir o calor?

JOSEFA
...

ESTELA
Você me sente, José? Você sente os pelos arrepiando quando a nossa pele começa a se tocar? Você sente a expectativa?

JOSEFA
...

ESTELA
Eu tô sentindo você, José. Tem uma arma no seu bolso ou você tá de cinto, José?

INÊS
Hello-ou?

ESTELA
Me deseja, José?

JOSEFA
...

ESTELA
Me deseja, José!

INÊS
Será que eu vou ter que jogar água fervendo nas duas? E você, sua bonobo de Les Filós, por que você insiste em negar a realidade e agir como se nada fora do comum estivesse acontecendo? Você percebe que a única chance que a gente tem de se libertar dessa situação é entendendo o que se passa?

ESTELA
E quem disse que eu quero me libertar do meu José? Eu posso ficar abrigada neste peito peludinho pro resto da vida...

JOSEFA
Ou da morte.

INÊS
Piadista. Você bem que poderia me ajudar, afinal, parece ter dois gramas de cérebro e clitóris a mais do que essa daí.

JOSEFA
Desculpe.

INÊS
Nós precisamos saber a verdade.

ESTELA
Nós não precisamos de nada. Nós não precisamos de comida, nem de kerastase, nem de lingerie, nem de nada, afinal, estamos mortas. A única escolha que temos que fazer é entre falar, falar e falar ou passar o tempo de outras maneiras mais interessantes, não é, Zezão?

Estela passa a coxa por entre as pernas de Josefa.

INÊS
Comigo olhando?

JOSEFA
Hein?

INÊS
Vocês vão transar aí, nessa poltrona, na minha frente? Mesmo que eu esteja vendo tudo?

ESTELA
Você poderia dar uma voltinha por aí, sei lá, ver se tem algum bar de MPB aberto.

INÊS
Não posso. A porta tá trancada.

ESTELA
Claro que não, sua louca.

Estela vai até a porta e abre. Inês olha, estupefata (sempre quis usar essa palavra num texto). Estela fecha a porta. Inês pega na maçaneta. Gira. A porta não abre. Está trancada. Estela tenta novamente e consegue. Inês não.

JOSEFA
A porta não abre pra você porque você não quer sair.

Silêncio. Inês baixa os olhos. Pela primeira vez, vulnerável.

ESTELA
Você não quer sair porque está com ciúme. Agora conte a verdade: ciúme de quem?

Inês engole em seco. Olha para a estátua que, desse ângulo, parece sorrir ironicamente. Baixa os olhos para o kit em cima da mesa: um caldinho de feijão frio, um trim sem fio. Que triste é a vida quando você tem tanto pra dar e ninguém pra receber.

Continua...

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