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sexta-feira, setembro 16, 2005

Editora Companhia das Lésbicas apresenta...

ENTRE QUATRO PAREDES

Epílogo


Josefa, Estela e Inês estão jogadas nas poltronas. Todas têm os olhos molhados, mas não choram mais. Estão vazias. As lágrimas secam. As almas secam. Toda a verdade foi dita. O acontece agora?

A porta do quarto se abre sem som. Elas quase podem ver o ar deslocando-se. A expectativa pelo momento era muita. Mas não existe mais força para reagir. Só para esperar. E ver.

Ver a Mulher entrar. Nua, apenas com sapatos de salto alto vermelhos. Loira, escultural, bronzeada. Duas grandes cicatrizes paralelas, verticais, nas costas.

Ninguém diz nada. Ninguém pensa nada. Cada uma vê, na Mulher, o seu algoz. Com uma roupinha de empregada. Ajoelhada num canto, olhando pra cima e limpando o canto da boca. Besuntada com Catupiry.

A última gota de água de cada um dos 3 corpos escorre pelos cantos dos olhos.

A Mulher fecha a porta delicadamente. Dirige-se ao canto da sala. Pega o copo com o caldinho de feijão frio. Bebe. Voluptuosamente. O excesso escorre pelo rosto, pelo queixo, pingando no plexo como se fosse alma demais tentando entrar num peito que não comporta. Deposita o copo de volta na mesa. Pega o trim. Abre as pernas. Puxa o próprio clitóris e o mutila. O sangue aflora, deflora.

Lentamente, a Mulher senta-se. Lentamente, acomoda-se numa posição exatamente igual à da estátua. Lentamente, a Mulher diz:

Eu sou a outra, o inferno, o pesadelo, a sombra.
Eu sou a sua morte e o seu arrependimento.
Sou a falta de dia, de noite, de silêncio e de paz que mede o tempo da sua existência.
E eu sou a música interminável.
E que não existe.
A simbologia.
A mutilação.
Aquilo de que você abriu mão pela outra, e não simplesmente a outra.
Sou o remédio amargo da intolerância.
O preconceito de cada uma.
Aquilo que você não aceitou da outra, e não a outra.
E acima de tudo, e como por causa disso você não viveu direito, eu sou o seu desejo de morte.
Cabra.
Serpente.
Cachorra.
Um anjo.
Pode me chamar de Lúcifer.
Lucy, para as íntimas.

A Mulher fica imóvel. Petrifica. A música pára. As mulheres se olham. Tudo começa a tremer. Como se um terremoto se aproximasse. Um som surdo, uma vibração, um aviso do fim. As três se dão as mãos na última cumplicidade, num momento único, fugaz e genuíno de amor. E despedida.

Então a porta se abre. O som surdo entra. É realmente um surdo. Seguido de um tamborim, um cavaco, uma cuíca, um reco-reco, uma caixa e um teclado yamaha. Todos tocados por mulheres feias. O Samba de Rainha das Condenadas chegou. Bem-vindas ao inferno.

Fim.


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