<$BlogRSDUrl$>

quinta-feira, setembro 06, 2007

MULLET'S GUN

parte 2


Antes de ir para o quartel-general do FBI para prestar depoimento, Laura teve que cuidar de um corte na testa que demandava atenção e pontos.

Agente Mullet, por sua vez, não consegue tirar essa história de memes assassinos da cabeça. De que diabos aquela mulher estava falando? Impaciente, decidiu que não poderia esperar as impressões do momento esfriarem, o tempo faz isso com as coisas, apaga o contexto e deixa só os detalhes. Dá um cavalo de pau no meio da rua, coloca a luzinha de sirene portátil em cima do carro e dirige pro hospital.

A cidade de Womanhattan começava a testemunhas uma história de mistério, atracão e bolinhas de pingue-pongue.

***

Laura fora levada para o hospital do exército e se sentia um ET na área 51. Desde a ambulância fora obrigada a permanecer imóvel na maca, mesmo que estivesse se sentindo bem. Os enfermeiros se recusaram a deixar ela tirar sua própria roupa para o exame corporal em busca e ferimentos e contusões não aparentes. Todo o seu modelito fora cortado com tesoura de cirurgia para ser removido.

Agora ela estava sozinha num quarto assepticamente branco, com quase nenhum móvel além da cama, uma mesinha de cabeceira e uma cadeira de metal.

Há mais ou menos uma hora ninguém aparecia, desde que terminaram o curativo no seu supercílio. Laura olha pela janela, através da persiana entreaberta. Pensa em lavantar e abrir tudo, mas se sente meio imobilizada de medo. Estava ficando louca ou isso realmente aconteceu? Todos os seus amigos transformados em zumbis. Seria só com eles ou haveria mais gente nesse estado? Era contagioso? Ela lembra do médico que a costurou dizendo “e o Lula, hein? Enganou a gente.” Apenas uma coincidência ou ele também estaria contagiado pelos memes?

“A linguagem é um vírus”, ela diz em voz alta. Suspira. “E nem em um hospital eu estou protegida.”

Duas batidas soam na porta. Laura acha graça, mas uma graça meio sem humor. Não acreditava que tivesse o poder de negar ou permitir a entrada de alguém naquele quarto, por que se incomodar em bater? Mais dois toc tocs. Ok, como queiram.

“Entra.”

A porta branca do quarto branco abre com um rangido e a agente Mullet põe a cabecinha.

“Oi. Com licença.”
“Oi.”

Laura responde meio no automático, sentindo duas coisas ao mesmo tempo. A primeira é vergonha por estar sem uma peça de roupa. A segunda é uma agitação interior que vamos denominar daqui pra frente de pré-tesão. Enquanto tudo isso acontece ela fica olhando para a agente com os olhos arregalados. Agente Mullet pega a cadeira de metal, puxa para perto da cama, vira com o encosto pra frente e se encaixa nela ao contrário, pernas abertas. Agora a sensação já pode ser chamada de tesão mesmo.

“Na verdade eu vim aqui porque queria fazer algumas perguntas. Eu sei que você deve estar exausta e com dor, mas é que quanto mais tempo esperamos, menos preciso vai ficando o seu depoimento. Claro que se você preferir eu vou embora mas seria muito importante se a gente…”

Mullet pára porque a outra parece não prestar atencão e olha indisfarçavelmente para a Bélgica, Holanda e Luxemburgo (os países baixos, dã).

“O que foi?”

Laura desvia os olhos sem graça.

“Nada, eu… Você tá armada?”
“Pode-se dizer que sim.”

Laura fecha os olhos, toda arrepiada. Respira fundo e tenta recuperar o controle, ignorando todas essas sensações estranhas.

“Eu não tenho nada pra vestir. Eles cortaram minhas roupas na ambulância.”

Mullet sai pelos corredores procurarando uma enfermeira, alguém que lhe ajudasse a arranjar uma roupa para Laura. Mas hospitais militares são feitos para eventuais acidentes nucleares, guerras e autópsias alienígenas e normalmente não têm o movimento ansioso de gente salvando vidas por todos os cantos. Ela volta para a sala de mãos vazias e, depois de olhar para Laura tentando se cobrir com uma ponta de lençol, tem uma idéia. Tira a própria camiseta – azul marinho com as letras FBI na frente – e oferece.

“Não, e você?”
“Eu tô de regata por baixo.”

Laura olha o rapazinho a sua frente, com aquelas camisetas de física (anteriores as regatas) que os avôs usavam por baixo da camisa. Aceita.

“Obrigada, depois eu devolvo.”
“Não precisa, pode ficar.”

Laura sorri. Antes de vestir, cheira a camiseta. Depois lembra que está na frente da dona da roupa e mais uma vez quase morre de vergonha. Seu superego não está presente. Termina de vestir. Tem resquícios de perfume. Agente Mullet tira do bolso um bloquinho e uma caneta.

“Primeiro preciso dos seus dados. Nome?”
“Laura.”
“De que?”
“Anderson.”
“Mora aqui em Womanhattan?”
“Sim, na 44 com a 69.”
“Telefone?”
“Você vai ligar?”
“...”
“5554-1256”

Alex Mullet demora para anotar, não sabe muito bem como continuar. Parece que todos os diálogos entre as duas são intercalados por pausas desconfortáveis e mensagens subliminares. Não, Mullet pensa. Mullet não estava sentindo nada. Mullet não se envolvia. Mullet não teria um caso com um caso. Mullet mija em pé e e tem um piercing em forma de abridor de garrafa no mamilo.

(continua)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?