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segunda-feira, março 31, 2008

IN FANNYPACK HILLS

parte 1


Melissa acordou com o sol batendo no rosto. De ressaca. O corpo doendo. Depois de protestar contra si mesma ela sentou, se olhou no espelhinho e pensou “sério, essa coisa de dormir no carro tem que acabar”.
Estava num camping. Há dois meses andava de cidade em cidade sozinha. Dormia no carro. Durante o dia, caminhava. Fazia turismo. Sei lá. A noite bebia sozinha até apagar.
Olhou em volta, uma bagunça. Revirando a mochila encontrou a escova de dentes dentro de um tênis, a necessaire no chão embaixo do banco. A toalha estava pendurada no puta merda pra secar. Catou tudo e foi pro banheiro.
Como era muito cedo, o banheiro estava vazio e ela teve privacidade suficiente pra se olhar no espelho. Estava ridícula. Os pêlos das pernas atingindo a marca de dois centímetros, o suvaco sombreado e um pêlo grosso e preto nascia embaixo do queixo. As canelas estavam roxas e cheias de arranhões, frutos de um tombo durante uma caminhada pela Cascata do G no dia anterior. Pensou na sua última noite antes de entrar nesse carro e morar nele.

Com um sóbrio porém sexy vestido Prada e sapatos Marni, saia de um coquetel com juízes, promotores e outros homens sérios da lei no forum quando viu sua namorada na frente de um famoso reduto de lésbicas dançando forró com uma mulher laranja (cabelo e pele). Quando chegou perto pra tirar satisfações percebeu que a namorada estava bebendo catuaba. O seguinte diálogo acontece.
- Jane, catuaba?
A mulher laranja é que responde.
- Catuaba, Tarzan.
E morre de rir. Gargalha. Vozeirão.
Melissa não toma conhecimento da piada. Jane não sabe se ri ou se tenta explicar.
- Oi Sissa. Essa é a...
- Caguei.
- Meu nome é Marlene. Quer ver meus matos?
Novamente aquele gargalhão. Melissa fica tonta.
- Quem é essa, Jane?
Jane mexe a boca mas nenhum som sai. Quando sai, é arroto. Catuaba com ceveja é foda.
- Marlene, namorada da Jane.
Melissa desiste de Jane e embarca num diálogo cínico com Marlene.
- Ah, namorada? O amor é lindo. Juntas faz tempo?
- Quatro anos, ela responde orgulhosa e inocente. A gente tem uma filha. Amelie Martina. Olha!
Marlene mostra no celular a foto de uma menina vesga, sem camisa, de bermuda camuflada e brincando com uma raquete de tênis.
- Faz jus ao nome! Inseminação?
Jane estava vomitando na calçada. Dava pra ver os pedaços de calabresa inteirinhos ainda. Desperdício. Marlene, mãe orgulhosa, não toma conhecimento.
- Sim, foi. Mas improvisada, que comprar leite de macho é caro. Um amigo bateu punheta numa seringa dessas grandes de aplicar rejunte, sabe? Claro, novinha, nunca tinha sido usada pra rejunte antes, só depois. Aí a Biludinha injetou em mim, à luz de velas. Quase que ela erra o buraco, né Biludinha?
Biludinha, a.k.a. Jane, estava sentada na sarjeta, olhar fixo na calabresa, tentando ficar invisível.
- Biludinha?
- É, haha. Ela odeia. Mas é que ela tem a barriga peludinha. Beludinha!
Gargalhão. Marlene tem orgulho do que conta. Como Melissa não fala, ela continua.
- Mas de onde você conhece a Biludinha?
- Conheci no circo. Eu sou palhaça. Ela lavava as éguas. Mas eu só passei pra dar oi. Tenho que ir. Prazer. Tudo de bom pra vocês. Prazer em te ver, Biludinha.
Melissa foi dali direto pro aeroporto.

***

Melissa suspira e decide que não pode continuar assim. Peluda. Biludinha. A lembrança desse ridículo apelido para aquela que aparentemente era sua namorada havia 3 anos, mas que tinha outra família há 4, faz sua cabeça doer mais ainda. Ela escova os dentes tentando se refrescar por dentro. Vai pro chuveiro e remove todos os pêlos que encontra. Ou quase todos. Volta para o carro e procura uma roupa civilizada. Só tem um jeans não exatamente limpo. Nenhuma de suas roupas está limpa. Coloca uma camiseta e tenta esticá-la para disfarçar o fato de que estava amarrotada na mala. Penteia o cabelo depois de semanas. Prende. Brincos. Gostaria de ter um perfume agora. Mas se contenta com o cheiro do shampoo. Dirige até a cidadezinha de Fannypack Hills e procura um café.


(continua)

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