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terça-feira, abril 01, 2008

IN FANNYPACK HILLS

parte 2


Sentada numa das mesas do Middlefinger Café ela olha o cardápio de café da manhã. Olha mas não lê. Há dois meses não come em público, sempre no carro, então tem a sensação de que todas as atenções estão nela, na sua calça suja, na camiseta amassada. Mas o desconforto é interrompido pelo garçom.
- Já escolheu?
Não é que Melissa olha para o garçom. Ela percorre o garçom. Jeans largado por baixo do avental, camiseta surrada, uma tatuagem de coração no antebraço esquerdo que segura o bloquinho, um dragão no direito que segura a caneta. Mãos angulosas, braços musculosos, seios pequenos. O que? Mas é uma...
- Garçonete?
- Sim?
Melissa está desconcertada. Além de pensar que a garçonete era garçom, ainda por cima falou em voz alta o que deveria estar apenas pensando. Fruto de dois meses de isolamento. Precisava tomar cuidado. E durante toda essa linha de raciocínio ela observava o rosto do garçom... Nete. Combinava com as mãos. Anguloso também. Podia passar por um garoto, talvez, mas não tinha barba e o olhar era definitivamente de mulher. Os olhos eram quase transparentes. E questionavam:
- Moça?
Melissa vira pro cardápio e implora a si mesma que pare de se colocar nessa situação, haja normalmente, fale alguma coisa, a garçonete estava esperando. Se sentia a Nell, criada na floresta e inapta a contatos sociais. Merda, lá vem a Jodie Foster. Tinha decidido que ia virar hétero, precisava aprender a pensar como uma e não usar a Jodie Foster como referência pra qualquer coisa. Olha pela janela, distraída. Abandonar a Jodie Foster vai ser a parte mais difícil de virar hétero. Sente uma mão no seu ombro. A garçonete agora gesticula muito enquanto fala devagar, separando as sílabas.
- A-se-nho-ra – senhora – gos-ta-ria-de...
Ah, ela está falando em linguagem de surdos.
- pe-dir-al-gu-ma-coi-sa...
Graças ao L Word as lésbicas agora usam os dedos até pra falar.
- pa-ra-comer?
- Eu não sou surda.
- Ah, desculpe.
- Não, eu é que peço desculpas. Tava distraída, não respondi. É que eu ainda não sei o que eu quero.
A garçonete senta na cadeira ao lado e pega o cardápio.
- Tudo bem, eu posso ajudar. Aqui. Quando eu quero subir a montanha a pé eu peço esse, Big Bold Breakfest, dois ovos, uma salsicha e mariscos. Uma deliciosa bomba relógio. Mas é como o Candyman, se você pedir 5 vezes você morre.
Ela ri baixinho da própria piada e olha pra Melissa só pra conferir se ela tinha entendido. Melissa sorri de volta. Era bom ouvir alguém rir com gosto, mas baixinho.
- Mas se é pra manter as artérias desentupidas ou fazer dieta – que não é o seu caso – eu sugiro esse: Pequenos Lábios. Torrada, salada de frutas e café. A salada de frutas tem um segredinho especial, não é só fruta picada.
- Não?
- Não. Muito melhor.
- Qual é o segredo?
- Segredo.
Essa última palavra foi dita baixinho, olhando nos olhos. E o suspense ficou no ar. E ninguém disse nada por quase um minuto. Até que Melissa achou que era seu dever acabar com isso.
- Pequenos lábios.
- Sabia!
E foi pra cozinha gritando.
- Moça da mesa 3, Pequenos Lábios!
Por um minuto Melissa achou que aquilo soava estranho. Mas olhou em volta e ninguém parecia notar. Relaxou e observou enquanto a garçonete ia de mesa em mesa anotando. Quis que ninguém mais pedisse Pequenos Lábios. Eram seus.


(continua)

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