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quarta-feira, abril 02, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 3


Ela espiava e brincava com sachês de açúcar.
A garçonete olhava a cada dois segundos.
Melissa, a cada dois segundos, disfarçava.
Não sabia mais o que fazer com os sachês. Resolveu equilibrar o garfo num palito, truque de bar que aprendeu com a amiga Jellybean. As mulheres adoravam. Exigia concentração.
A garçonete olhava e desolhava.
Como se concentrar assim? O garfo cai. Melissa tenta segurar, derruba a faca e o Tabasco. Junta rápido. A outra traz um garfo e uma faca limpos. Melissa fica incontrolavelmente vermelha e não tira mais os olhos da mesa. Relê o nome do café impresso no guardanapo 36 vezes.
- Seus pequenos lábios estão prontos.
Finalmente. A garçonete traz uma caneca de café e dois pratos no antebraço do coração. Mas algo compromete o equilíbrio do momento e tudo cai. O café, a torrada com a manteiga para baixo, a salada secreta. Metade de um pêssego cai no colo de Melissa.
- Deixa que eu limpo.
A garçonete junta o pêssego e segura com a boca. Suco escorre pelo queixo, pelo pescoço e ela usa o avental para esfregar a calça de Melissa, que deixa. Nem pensar na Jodie Foster em “Anna e o Rei” poderia salvá-la daquela situação. Suas fantasias eroticas nunca pensaram nisso. Definitivamente não vai mover um dedo. É mais forte do que ela. Está quase fechando os olhos e entreabrindo a boca quando ouve um grito.
- De novo fazendo lambança nos Pequenos Lábios, Daniele?
Não foi o grito que interrompeu o transe. O grito interrompeu a limpeza. Que interrompeu o transe.
A garçonete – Daniele – endireitou como um soldado. Uma senhora que parecia um sofá – vestida de couro dos pés à cabeça – sai de trás do balcão apoiada numa bengala. Ela tem os lábios virados pra baixo, uma careta que parecia fazer parte do rosto.
- Chega, Daniele. Pro escritório agora.
E pra Melissa, com um ar gentil.
- A senhorita me desculpe. Vou mandar vir outro num instante. Pequenos lábios, não?
Melissa não tem condições de responder, ainda mais a uma pergunta dessas. Faz um meio sim com a cabeça.
- Já, já. E novamente, minhas desculpas. Esse assunto vai ser resolvido. Essa menina é um desastre.
Aparentemente era a dona do café, Sra Middlefinger. Ela vai até a janelinha da cozinha, dá ordens, depois empurra Daniele pro escritório e entra atrás. Melissa fica olhando para a porta, como se alguma informação pudesse vir dali. Depois de dez minutos a porta abre, seu novo café da manhã chega, Daniele sai, tira o avental, joga no balcão, deixa o restaurante, senta na sarjeta e acende um cigarro. Melissa bate no vidro da janela. Daniele vira. Melissa chama com a mão. Daniele apaga o cigarro e entra.
- Eu fui despedida.
- Melhor ainda. Agora você pode sentar aqui comigo. Quer um pouco dos meus pequenos lábios?
Daniele sorri. Ri daquele jeito, gostoso e baixinho. Ela quer.

***
Melissa corta metade da torrada e coloca num guardanapo na frente de Danielle, junto com um garfo limpo.
- Então você é Daniele?
- É. E você?
- Melissa.
- Prazer.
- Igualmente.
Dois sorrisos.
- Pode comer a vontade, eu estava brincando. Você deve estar com fome.
- Não muita. Me ajuda.
- Só um pouquinho então.
Elas dividem a salada da mesma tigela. Quase como a dama e o vagabundo. Melissa gostaria de ser a dama mas estava se sentindo o vagabundo.
- Você mora aqui?
- Sei lá. Meus pais moram. Mas eu preciso trabalhar e estou ficando sem possibilidades.
- Esse é o único emprego da cidade?
- O único não. Mas um dos únicos que eu não tinha tentado.
Mastigam. Daniele segue.
- Quando você já foi demitida de 5 lugares em uma cidade que deve ter uns 10 empregos, você meio que pensa que não serve pra nada.
- Não fala assim...
- Sério. Eu até que durei muito nesse aqui. Achei que fosse ser mandada embora antes. Ontem eu derrubei o café da manhã no colo do prefeito. Na hora, achando que era a coisa certa, eu disse “deixa que eu limpo seus ovos” e esfreguei a calça dele.
Melissa quase engasgaou com um pedaço de maçã. Daniele continua.
- Por ele tudo bem, a Sra. Middlefinger é que não gostou muito.
Melissa riu um pouquinho mas logo ficou séria.
- Achei que fosse só comigo.
Ela falou sem pensar, claro. Depois que as palavras saíram teve vontade de derreter. Mas Daniele respondeu com uma inocência quase comovente.
- Com ele foi o Big Bold Breakfest. Pequenos lábios só os seus.
Melissa sorriu para as frutas e ficou quieta.
- Dani?
- Hm.
- Você conhece bem a região?
- Conheço. Por que?
Por quê mesmo, Melissa se perguntou. O que ela queria com uma garota que era atraente, mas mesmo assim uma garota? Ainda mais agora que tinha decidido ter uma vida simples, fácil, resolvida, com um marido e filhos? Nada.
- Onde as garotas daqui vão pra… Conhecer rapazes?
Daniele engole o que tinha na boca sem mastigar. Larga o garfo e responde pro guardanapo.
- Não sei.
- Mas você não mora aqui?
- É que eu não… Não vou lá. Mas as meninas costumam ir as quintas no Fake Joy. Ou pra capital no fim de semana.
- Você iria comigo?
- Não.
A resposta foi tão direta que desconcertou as duas. Daniele se sentiu um pouco culpada.
- Você não tem namorado?
- Não.
- Está procurando um?
- Acho que sim.
- Fake Joy então. Na quinta. Desculpe eu não te acompanhar mas é que eu preciso dormir cedo pra procurar emprego, sabe...
- Claro.
Nunca duas pessoas estiveram tão atrapalhadas numa mesa só. Ou talvez já mas como elas estavam no topo da cadeia sentimental nesse momento, nada poderia ser mais forte. Melissa vai pegar o guardanapo e derruba o Tabasco de novo. Faz menção de juntar.
- Deixa. Parece que ele não quer ficar nessa mesa mesmo.
Ela desiste. Daniele junta suas coisas para ir embora.
- Obrigada pelo café.
- De nada.
- Tenho que ir. Boa sorte.
- Brigada.
Daniele levantou e saiu. Se tivesse outro avental jogaria de novo no balcão. O que ela esperava? Que todo mundo gostasse de pequenos lábios? Não. Numa cidade com Fannypack Hills não havia esperança.

(continua)

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