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quinta-feira, abril 03, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 4


Melissa olhou pro carro e teve vontade de chorar. Era quarta de manhã e não havia nada que pudesse fazer até quinta a noite. Poderia ir para outra cidadezinha, mas que diferença faria? Depois de um certo tempo, todas as paisagens eram iguais e todas as trilhas davam em lugar nenhum. Sentou no banco do passageiro só pra variar. Não queria mais dirigir, nem a própria vida. Pensou em Daniele. Daniele escolheu seu café da manhã. Mas isso era mais uma armadilha lésbica. A mulher protetora, compreensiva, acolhedora, perfeita. E quando tudo estava perdido, quando Melissa estava perdida, essa mulher passava a ter uma personalidade, vontades próprias. Que não eram as de Melissa. Era as de alguma outra. Como na continuação do Silêncio dos Inocentes. Quando você espera Clarice Starling, eles aparecem com Julienne Moore. Uma mulher laranja.

Durante 36 horas Melissa ficou sentada no banco do passageiro bebendo e dormindo, esperando a hora certa de mudar de vida.
Depois tomou banho, comeu um sanduíche de presunto e queijo, penteou de novo o cabelo e saiu pro Fake Joy. Com a camiseta amassada e sem perfume mesmo.

***

O Fake Joy era um lugar enorme, cheio de ambientes diferentes, com luz negra e muita gente de branco. Tocava R&B. Rapazes andavam em grupos masculinos. Garotas em grupos femininos. Havia pouca comunicação entre eles.
Melissa foi até o balcão um pouco nervosa. Pediu uma Vodca. Assim como no dia em que chegou ao Middlefinger, tinha a sensação de que sua indumentária atraía olhares. Ou repelia. Ela realmente estava em desacordo com o dress code. A única mulher que não estava de vestido curto e salto. Não esperava ter que usar nada parecido. Quando fez a mala sua idéia era apenas nunca mais ter contato de espécie algum com ser humano de espécie alguma. Mas depois de dois meses sozinha foi formulando a possibilidade de um relacionamento com um homem. Mais por uma necessidade física de sexo. Mais pela necessidade psicológica de não ter que se envolver com uma grande carga emocional.
Mas agora não tinha vestido. E todas aquelas moças que ela teria julgado caipiras estavam num patamar socialmente superior ao dela. Mais uma vodca. Ela ouve uma voz de homem por trás.
- Machucou?
- Como?
- Machucou?
- Por que?
- Porque você caiu do céu.
Melissa não reage. Foi a coisa mais idiota que ouviu nos últimos anos.
- Entendeu? Perguntei se você se machucou quando caiu do céu, anjo.
Não só repetiu como explicou. Mas espera, ela pensa. Calma. Outra dinâmica. Ele está sob pressão. Toda a responsabilidade está depositada nele. Paciência. Não era feio.
- Não, não machuquei não.
E deu um sorriso coquete.
- Que bom. Vem cá, por acaso seu pai é pirata?
- Pirata?
- É. Porque ele tem um tesouro em casa.
Melissa engoliu o resto da vodca de um gole só.
- E se você a gente fosse pegar outra bebida?
- Claro! Não convidei antes porque não sabia que boneca andava.
Quando chegou no bar ela pediu logo duas doses. E pra ele?
- Cerveja.
A bebida chega e eles ficam sem assunto. Mas ele não deixa o silêncio tomar conta. Aponta pro chão e grita:
- Caiu o papel, caiu o papel!
Melissa olha em volta espantada.
- Que papel?
Ele olha sedutor.
- O papel que te embrulha, bombom.
- Ok. Eu acho que já entendi. Obrigada. Mas pode parar com as cantadas.
- Porque, gata, não acredita em amor à primeira vista?
Inexplicavelmente, a imagem de Daniele surge na sua cabeça.
- Não.
- Então olha de novo!
Ela não aguenta mais.
- Olha, eu adorei conversar com você mas eu tenho que ir, o último ônibus passa em 10 minutos. Prazer, viu.
- Pera, pera. Caiu uma coisinha aqui na sua blusa...
Ele toca de leve sua camiseta entre os seios. Ela abaixa a cabeça para olhar. Ele sobe a mão, pega no seu queixo e a beija. Melissa beija de volta. É quase igual a todo primeiro beijo. Estranho.
- Como é seu nome?
- Melissa.
- Pedro. Volta na próxima quinta.
Ele é que sai. Logo atrás de onde ele estava, com uma cerveja na mão e um pé na parede, Daniele olhava sem disfarçar.

(continua)

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