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segunda-feira, abril 07, 2008

IN FANNYPACK HILLS

Parte 7


Instalda no banco do passageiro do seu carro ela lembra de Pedro, todo atrapalhado tentando ser engraçado. Deve ser horrível ser homem. Tanta expectativa pra cima de você. Ele era meio insignificante, mas não repugnante. E o fato de ter deixado ela lá, recém-beijada e com a boca ainda meio aberta, foi intrigante. Como ele pode? Depois Daniele de mau-humor. Ri sozinha de pensar nela parada e alheia no meio de 200 pessoas dançando. Moça de personalidade.

O que aconteceu depois? Como foi parar naquela cama? Quem tirou sua roupa e o que fizeram antes de dormir? Apesar do aperto no estômago, uma parte dela estava gostando. Controladora por natureza, estava experimentando a liberdade de ter sobrevivido a uma situação completamente fora do seu controle. Bom, de qualquer maneira, sempre podia pegar o carro, ir embora da cidade e nunca mais ver a cara de nenhum dos dois. Voltando à cama, se era para ter dormido numa, gostaria de pelo menos ter estado sóbria. Só pra lembrar da sensação de conforto. Eram duas da manhã e Melissa não tinha sono. Deve ter sido boa, a sensação. Deve ter dormido bem.

As seis horas da manhã desistiu. Separou as roupas sujas, limpou o carro e foi pra cidade. Cidade: um café, uma lanchonete, uma farmácia, uma lavanderia, um correio, uma loja de tudo, um salão de beleza, um mercadinho, uma videolocadora, um posto de gasolina. Tudo espalhado em dois quarteirões. Durante o dia lavou roupa, comprou meias, fez as unhas, cortou o cabelo, comprou uma garrafa de vinho, um estojinho de maquiagem e um hidratante cheiroso, na falta de perfume.

Voltou pro camping, tomou banho, vestiu uma roupa limpa e saiu pra passear. Era sábado e a cidade inteira estava na rua.Ela tenta decifrar os códigos e os rituais do lugar. Todos se cumprimentavam. O fluxo aumentava perto do bar local. Dois homens de chapéu de caubói riam de qualquer bobagem. Um terceiro parecido com o Mel Gibson chega a cavalo. Maverick! Melissa sorri. Não existe situação que não seja explicada pela Jodie Foster.

***

Ela entra no bar e procura uma das mesas de canto. Examina o cardápio, pensando se pede uma cerveja ou não, depois do vexame de quinta-feira. Olha em volta. Ninguém não bebe. E todos parecem felizes. É, uma cerveja vai cair bem. O garçon se aproxima e ela aponta na lista uma de nome alemão.
- Eu vou querer uma dessa aqui ó e... Você?!
- Ao seu dispor.
- Emprego novo?
- Eu disse que tinha uma entrevista.
- Parabéns.
Daniele ri.
- Não sei bem porque. Eu tenho 30 anos e sou garçonete.
- E daí?
- Daí que eu derrubo comida nas pessoas.
- É... talvez não seja seu maior talento.
- Espero que não. Uma dessaqui então?
- É.
- Pra comer?
- Não sei ainda.
- Aqui eu não posso te ajudar, não conheço o cardápio direito. Vou pegar sua bebida enquanto você escolhe.
- Tá.
Melissa volta a se concentrar no cardápio, mas um minuto depois é interrompida de novo.
- Melissa?
- Pedro!
- Você lembra.
- De certa forma você foi inesquecível.
Ele faz uma careta meio envergonhada.
- Pois é. Desculpa eu...
- Tudo bem.
- Sério, eu sou péssimo nisso de puxar assunto. Meus amigos tentaram me ensinar mas acho que... Acho que eles não são muito amigos.
- Tudo bem.
Ele não sabe mais o que dizer mas não sai dali. Ela decide torturá-lo um pouquinho e não fala nada. Até que se cansa de vê-lo sofrer.
- Quer sentar?
- Você não se importa?
- Não, não, tava escolhendo alguma coisa pra comer.
- Pede o hamburguer. Muito bom.
- É?
- Hm.
Daniele chega com um copo de cerveja e uma cara de cu.
- Já escolheu então.
- O que?
- A comida.
- Hamburguer.
Pedro completa.
- Dois. E um suco de laranja.
A garçonete praticamente joga o copo na mesa e sai pisando forte.
- De onde você é?
- De longe.
- Tá de férias por aqui?
- Mais ou menos?
- Como é isso?
- Pensando bem tô de férias sim. Você mora por aqui?
- Sim, na fazenda do meu pai.
- Herdeiro?
Ele ri.
- Inevitável, né? Eu e meus dois irmãos.
- Você gosta do trabalho da fazenda?
- Não. Gosto só de morar lá.
- O que você faz então?
- Sou escritor.
- Escritor? Sério? De que?
- De qualquer coisa. Publicado mesmo só tenho romances, mas eu também gosto de escrever poemas. Ninguém mais publica poesia.
- Romancesss, no plural? Quantos publicados?
- Quatro.
- QUATRO?
- É. Um deles ganhou um prêmio desses internacionais. Já foi traduzido pra duas línguas.
Melissa está incrédula.
- Como uma pessoa que tem quatro romances e um prêmio tem a coragem de me brindar com aquelas pérolas que você me ofereceu aquela noite?
Ele fica vermelho.
- Pois é, eu não sei falar.
Dois pratos com hamburgueres e batatas fritas são arremessados no meio do diálogo. Ele segura Daniele que já ia escapulindo pela barra do avental e pede ketchup. Melissa olha pra ela e pergunta:
- Dani, tá tudo bem?
- Claro.
Eles não comentam o comportamento da garçonete. Eles comentam os livros que gostam de ler. Os dois gostam de “O Conforto dos Estranhos” mas não da “Reparação”. Engraçado. Daniele menos carrancuda volta até a mesa.
- Aqui está o seu ketchup senhor.
- Brigado. Quer?
- Não.
- Por que será que as mulheres em geral não gostam de ketchup?
- Você acha que isso é assim uma estatística?
- Parece.
- Eu gosto. Dá aqui.
- Não precisa comer só pra me mostrar, eu acredito.
Melissa fica um pouco irritada com a presunção. Ele pega o ketchup, vira a bisnaga, aperta sobre o prato. Então a tampa do ketchup cai e todo o conteúdo do frasco junto, soterrando as batatas.
- Merda.
Ela tem vontade de rir, mas sabe que tem que segurar. Só que ter que segurar torna a vontade incontrolável.
- Pode rir, mas me dá umas batatas das suas.
- Desculpe, é que eu tenho essa coisa, sempre que eu não posso rir eu tenho mais vontade ainda. Era um problema com a minha mãe.
- Aham.
- Pode pegar todas as batatas, eu quero só o sanduíche.
Ele é tímido. Mal olha pra ela. Por outro lado, ele aceita suas batatas. Não fica “tem certeza, tem certeza?” Ela gosta disso.
- Acho que a moça esqueceu meu suco. Moça!
- Pois não.
- Meu suco?
- Já vem.
Lá vai Daniele.
- Você não bebe?
- Bebo. Mas adoro suco de laranja. Daqui a pouco eu peço uma cerveja.
Chega o suco. De novo ele tem que puxar o avental para pedir.
- Açúcar?
O açucareiro chega. Daniele olha bem pra Melissa, que está com a boca cheia e tenta engolir e disfarçar o calombo de comida na bochecha. Pedro coloca quatro colheres de açúcar no suco e mexe com o canudo. Depois tira o canudo e bebe do copo direto. E cospe.
- Isso é sal!
Melissa examina o açucareiro, coloca um pouquinho do pó branco na língua. Salgado. Por alguma razão, ela olha direto pra Daniele, que está debruçada sobre o balcão olhando para eles com um quase sorriso. De novo, Melissa não pode rir. E ri.


(continua)

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