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quinta-feira, julho 31, 2008

CLOSET


20


Enquanto Mel seca o cabelo embrulhada num roupão, Ali não se mexe. Não consegue pensar. Está possuída por uma coisa que não passa. Precisa acabar logo com isso. Pega Melissa pelo braço e quase sai correndo, nua com o roupão aberto pendurado nas costas.

Atravessam a academia, passam pelas piscinas, outros nadadores, vestiários, bancos, crianças, bóias, treinadores, com um olhar grave de quem morre de tesão.

Abrem uma porta, entram, puxam, fecham, trancam. Estão no pequeno consultório onde são feitos os exames médicos terças, quintas e sábados, das 8h as 10h.

As duas se puxam e mais se engolem do que se beijam, quatro braços que parecem oito se espalhando por baixo dos tecidos, subindo pelas costas, descendo pelos lados.

Ali não acredita como aquela pele é lisa e macia. Uma sensação que faz seu estômago apertar, seu coração doer, seu sexo latejar, tudo ao mesmo tempo. Ela gostaria de falar, dizer alguma coisa, pelo menos explicar o que estava sentindo mas não tem coordenação nem lógica. Cada vez que fecha os olhos é tomada por uma experiência sensorial tão diferente e intensa que tem medo de enlouquecer.

- Ali.

Ela respira muito rápido e treme. Melissa se preocupa um pouco.

- Ali?
- Não.

Dizem as palavras uma dentro da boca da outra.

- Não o que?
- Não pára.
- Não pára?
- Não nos pára.
- Então calma.

Ali sai um pouco de perto tentando recuperar o ritmo de si mesma.

- Tem razão. E eu nem sei como se faz...
- Sexo é sexo.

Dá mais uma inspirada profunda.

- É. Sexo.

E pega Melissa no colo e a deita na cama do consultório. Joga seu roupão no chão, abre o dela e deita devagar por cima, consciente de cada milímetro seu que toca nela.

Não pode parar de olhar pra Melissa, encantada com o efeito que seu toque tem nela. Apesar da intensidade da sensação física, não se comparava ao que sentiu quando finalmente cobriu Melissa com toda a extensão do seu corpo e ela fechou os olhos, soltou um gemido e se escondeu no seu pescoço.

- É a coisa mais forte que eu já senti, Mel.

Melissa abre as pernas e a puxa para dentro. Ali geme, respira fundo, aperta a mandíbula, olha pra cima, entende o sentido de ejaculação precoce, uma gota de suor escorre nas suas costas.

- Mexe.
- Não posso.
- Pode.
- Não faz isso...

Melissa conduz, puxa e empurra.

- Pára.
- Você não tinha pedido pra não parar?

Ali vai e vem algumas vezes, esfregando e escorregando, mas antes da quarta ida goza forte, alto, parada, surpresa. Pisca muitas vezes, tentando focar o rosto daquela mulher que tinha desmentido toda a sua vida até então.

- Desculpa.
- Por que?
- Fui muito... Rápida.

Melissa se sente a mais gostosa da Via Lactea.

- A gente não precisa parar ainda. Me dá sua mão.


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quarta-feira, julho 30, 2008

CLOSET


19



A água está fria hoje. Melhor. Emergindo pra primeira braçada ela luta pra controlar a respiração depois do choque térmico. Chega no fim da piscina. Pára antes de continuar, tem água dentro dos óculos.

Lá do outro lado, de maiô vermelho, Ali inspira antes de mergulhar. Na mesma raia que Melissa. "Que diabos ela está fazendo aqui?" Retoma o crawl antes que ela chegue.

Que nem um crocodilo Ali tira levemente a cabeça da água pra espiar. Fecha uma piscina e descobre que Melissa pulou para a raia ao lado. Também muda.

A essa altura a distância entre as duas é menos de meia piscina. Ali nada rápido e tem braços maiores. Melissa acelera, troca novamente de raia, mas a perseguição é implacável.

Quando faltam apenas quatro metros para tocar no final da última raia é puxada para o fundo pelo tornozelo. Um par de braços e uma boca gorda a envolvem. Em vez de reagir deixa o corpo solto nas mãos dela, beijando e flutuando no silêncio. Underwater love.

Engole água.

Submerge tossindo. Sai da piscina direto pro vestiário. Ali dois metros atrás. Pega um sabonete, tolha, vai até os chuveiros, abre só a fria. Ali na ducha ao lado. Ia seguir invicta na sua proposta de ignorá-la mas... E o maiô? Ia bancar a louca como Ali fez há algumas semanas e tomar banho de roupa? Ou ia ficar nua na frente da colega de trabalho que a estava assediando, ahn, tentando sexualmente?

Ali olhava sem disfarçar.

Melissa pensa "foda-se".

Tira a roupa toda. Ali fica vermelha, depois verde, depois cinza, depois nervosa. Tenta não encarar mas perde o controle dos olhos. Melissa passa devagar o sabonete pela pele.

- Como a gente ativa as tarjas pretas?
- Só funciona pra mulheres héteros ou casadas.

Ali engole em seco.

- Tem que ter um jeito.
- Não tem.

Melissa ensaboa os seios.

- O que você tá fazendo?
- Tomando banho.

Ali pisca como se fosse um esforço.

- Faltou lavar ali.
- Onde?
- Ali.
- Aqui?
- Não. Ali.
- Aqui?
- Ali.
- Aqui?
- Também não.
- Então onde?

E com essa pergunta ela oferece o sabonete. Ali arregala os olhos e parece que vai desmaiar. A jugular pulando no pescoço.

Bravamente ela ensaboa a mão direita e aproxima devagar do corpo de Mel. Treme. Chega muito perto. Mas sem tocar. Imagina que todo mundo está ouvindo seu coração.

Melissa acha que Ali vai ter um colapso e decide ajudar. Inclina o corpo e encaixa o próprio peito na mão dela, que geme.

Aí alguém fala.

- Que que é isso?

Tem outras banhistas nas duchas coletivas e elas não são cegas.

"Merda" Melissa pensa, "vou ser presa de novo". Ali segue na mesma posição, com a mão no ar.

- Nada não, por que? Uma irmã não pode lavar a outra? Ali?

Ali cruza os braços meio sem entender.

- Hã?
- Vem me secar mana. A mãe tá esperando a gente pra provar o vestido.

Melissa arrecada as coisas pra sair dali, toalhas, toucas, etc. O sangue de Ali ainda não voltou pra cabeça.

- Que vestido?
- Do meu casamento.
- Você vai casar?

Melissa fala pras outras mulheres, que assistem meio chocadas.

- Ela é "especial".

Tentam se secar mas continuam molhadas.



(capitulo longo, continua.)


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terça-feira, julho 29, 2008

CLOSET



18




Segunda. Oito da manhã. Melissa consegue se esquivar até seu escritório sem chamar a atenção de ninguém. Está apavorada com a perspectiva de explicar sua prisão pras colegas. Fecha a porta pra pensar no que dizer pra Sra. Closet, como agradecer, etc. E sobre o tal do acompanhamento psicológico. Ela bem que precisava. Mas não um pago por alguém que não podia saber nada sobre o que realmente a atormentava. Conseguira evitar mais beijos de Ali no domingo, mas só ela sabia o esforço sobre-humano que tinha sido. Dá um frio na barriga só de lembrar.

Na frente do teclado do computador, um copo de café, um pacotinho e um bilhete.

"Um brownie pra adoçar seu dia. E um café pra você ficar encarando. Você tem hábitos estranhos mas eu aceito. A."

Melissa tem vontade de esfregar o brownie no corpo todo mas pensando melhor, podia passar sem mais essa demonstração do seu frágil equilíbrio mental. Ri sozinha de imaginar a cena. Closet and Closet entram na sala e ela com a camisa aberta, o peito e a cara cheia de chocolate. Como um cumshot para mulheres que não fazem sexo. A porta abre bruscamente, Sra. Closet entra, Melissa agradece seu resto de sanidade.

- Sra. Closet.
- Glen.
- Glen, eu estava indo pra sua sala agora agradecer.
- Não precisa. Eu entendo você. Entendo o quanto a sua situação pode ser estressante.
- Entende?
- Sim, eu sei tudo o que você está passando. Já estive lá.
- Já?
- Já. Sonhos e tudo.
- Sério? E como passou?
- Arranjei um marido.

Melissa tome um gole do café. Está fervendo. Ela quer cuspir, mas não é o momento certo. Engole e disfarça a dor que vai da garganta até o estômago. Os olhos enchem de lágrimas. Glen confunde essa manifestação com comoção.

- Calma, não precisa chorar.

Levanta e encosta a cabeça de Mel no seu peito, bem no meio dos dois, meio sufocante. Faz um cafuné.

Ela diz:
- Eu sei que é difícil encontrar o homem certo. Mas não precisa perder as esperanças.

Melissa pensa:
- Ela usa Azzaro.

Ela diz:
- A gente escolhe muito, fica se prendendo em características fúteis como sensibilidade e capacidade de conversar.

Melissa pensa:
- Do que essa louca tá falando?

Ela diz:
- Um homem não precisa saber conversar nem entender poesia. Um bom homem serve para pôr ordem na vida de uma mulher.

Melissa pensa:
- Ordem? Hm. Ela quase me convenceu de que eu quero um.

Ela diz:
- Eu vou te ajudar. Conheço bons homens disponíveis e vou dar um jeito de te apresentar, Mely.

Melissa pensa:
- Cuma?

Ela diz:
- Aguarde instruções.

E sai da sala, deixando Melissa com o esôfago queimado.


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segunda-feira, julho 28, 2008

CLOSET



17



- Então, para onde eu te levo?
- Prum café. Tô com fome.
- É mesmo. Comida da prisão deve ser horrível.
- Tudo é verde, menos a salada.

Param num café, pedem croissants.

- Vou te contar uma coisa.
- Conta.
- É a segunda vez que vou presa por atentado ao pudor.
- Reincidente?
- Pois é.
- Por causa dos sonhos?
- Não, os sonhos são recentes.
- O que foi da outra vez então?

Melissa lembra do ciúme de Ali. Se arrepende de der tocado no assunto.

- Ah, já faz tempo.
- E foi por que?
- Eu tava beijando minha namorada da época na rua.

Ali larga o croissant e respira fundo. Se controla.

- Faz décadas que isso não é mais considerado ilegal.
- A gente tava em cima de uma estátua.
- ...
- E minha blusa tava levantada.

Depois de alguns segundos.

- Que tipo de tara é essa?
- Eu sei, parece que eu sou louca, mas não, viu?
- E por que em cima da estátua?
- A gente subiu de brincadeira e... Sei lá. Rolou.
- E você quer alegar que isso é normal?
- Ei, se liga, há 20 minutos a gente tava se beijando num estacionamento público, essas coisas acontecem.

Agora além de estar com ciúme Ali está irritada de ter que concordar. Melhor ficar quieta.

- Ali.
- ...
- Ali, fala comigo?
- Falar o que?
- Não sei. Mas eu tô perdida aqui.
- ...
- Aquilo foi outra brincadeira?
- ...
- Amanhã você vai me mandar outro e-mail dizendo que foi engano e que eu não entendi nada?
- Vou dizer que foi um dos seus sonhos.
- Você disse que eu tava acordada antes.
- Eu disse isso dentro do sonho.

Melissa levanta e vai embora sacudindo as mangas muito compridas da camisa emprestada.

Trinta e quatro segundos depois ela volta.

- Isso é ridículo.
- O que?
- Esse lesbian drama. E você nem é lésbica!
- O que é um lesbian drama?
- Tá vendo? A culpa é minha, sou eu que tô provocando. Ali, você me faria um favor?
- Qual?
- Me interna?
- Acho que não, eu gosto de te ver andando pelo escritório. Será que você iria trabalhar pelada um dia desses, se eu pedisse?
- Eu tô falando sério.
- Claro que tá.
- Você não pode ficar me beijando assim.
- Eu não beijei sozinha.
- Por isso mesmo.

Ali levanta a sobrancelha.

- Perdi o fio da meada.
- Eu tenho sentimentos. E você é casada.
- E você tem a...
- Não tenho ninguém.
- Mas e a...
- Eu nem conheço! Tava só tentando me interessar por alguém gay e solteiro.
- Por que?
- Por que talvez você não tenha descoberto ainda mas gays também gostam da perspectiva de namorar, casar, ter relações exclusivas e afetivas.
- E você quer casar comigo?
- Por enquanto não.
- E depois?
- Depois do que?
- Depois que eu largar meu marido.
- Você não vai fazer isso.
- Por que não?
- Por que sim?

Melissa olha pra dentro da xícara. Está ao mesmo tempo tentandos fazer Ali entender que isso não dá em nada e arrancar dela uma declaração de amor eterno. Se sente mais perdida e sozinha do que nunca.

Ali coloca um guardanapo sobre a caneca de café que tanto atrai o olhar de Melissa. No guardanapo está escrito "Vamos pra sua casa?"

- Não.
- Por que?
- Porque eu não tenho casa.
- Como não?
- Eu moro num carro.
- Que?
- Você ouviu.
- Num carro?
- É.
- Tipo um automóvel?
- É.
- ...
- ...
- E onde você faz xixi, toma banho, essas coisas?
- Fico num camping.
- Sozinha?
- Não, eu moro com uma família romena de 7 pessoas.
- Sério?
- Claro que não! Claro que eu moro sozinha!
- Ué, quem mora num carro é capaz de tudo.
- Mas eu sou normal.
- Eu é que sou estranha, casada com um cara e apaixonada por uma colega de trabalho.

o estômago de Melissa dá um nó de ouvir aquela palavra. Apaixonada. Todo o sangue do corpo vai pro rosto. E Ali continua.

- Eu queria beijar você mais.

Agora o sangue desce. Lateja. Ali não desiste.

- No seu carro ou no meu?


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sábado, julho 26, 2008

CLOSET


16.



- Acorda. Agora você tá dormindo mesmo. Vamo embora?
- Ali?
- Agora você tá acordada. É bom deixar claro com você, né?
- O que você tá fazendo aqui?
- Glen pagou a fiança. Mas ela vai querer que você faça um acompanhamento psicológico por causa desses sonhos. Eu trouxe uma roupa, imaginei que você não teria nada pra vestir além desse macacão ridículo de irmãos metralha.
- Obrigada.
- Não sei se vai servir. E eu sou um pouco maior que você. Pensei em pegar alguma coisa na sua casa mas não achei o endereço.
- É.
- Onde você mora?
- Womanhattan.
- Onde em Womanhattan? Como eu vou te levar pra casa se você não me der o endereço?

Melissa olha ao redor, na cela. Não tem muito onde se esconder. Tira o macacão ali mesmo pra se vestir. Ali nem disfarça, olha todo o seu corpo como um gordo olha prum sundae.

- Pronta. Ali?
- Ahn. Vamo, o carro tá num estacionamento.

Silêncio desconfortável no caminho até o veículo.

- Obrigada pela fiança. Você pode ir pra casa agora. Eu vou andando.
- Ela é sua namorada?
- Quem?
- Essa Lixa?
- Ah. Não.
- Então por que você tava sem roupa na casa dela?
- Eu dormi com ela.
- Dormiu ou ficou acordada trepando?
- Os dois.

Ali abre, ou melhor, quase arranca a porta do carro.

- Entra!
- Não precisa, eu vou sozinha.
- Eu vou te levar!

Ela quase soletra as palavras. Melissa chega perto, a menos de dois centímetros de distância, e pergunta:

- Ali, o que você quer de mim?

Um, dois, três, quatro, se beijam. Ali parece querer atravessar Melissa, o corpo inteiro a apertando contra o carro. Mel tenta se mexer, levantar os braços, tocar no cabelo de Ali, curto, macio, curto, Ali se se inclinando sobre ela, e Melissa quase desmaia, e se enrosca no pescoço dela.

De repente tudo fica branco. Abre os olhos. O segurança do estacionamento aponta uma lanterna pra elas. Não se sabe bem com quais neurônios, Melissa pensa rápido e segura a cabeça de Ali contra seu ombro.

- Pois não?
- Isso não é lugar moça...
- Eu acabei de chegar de viagem e não via o meu namorado há muito tempo. O senhor pode desligar essa lanterna?

Ele desliga. Fica bem escuro. Melissa solta Ali.

- Mas pode ficar tranquilo que a gente já tá indo. Vem amor.

Elas entram no carro. Saem cantando pneus. Ali está branca. Mel sente o nervosismo e fica quieta.

- Você acha que ele acreditou que eu era o seu namorado?
- Ele mal te viu, Ali.
- E você?
- O que tem eu?

O que tem mesmo?

- Nada, amor.

Risos.

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quinta-feira, julho 24, 2008

CLOSET


15.


- Visita pra você, Godiva.
- Quem?
- Seu advogado parece.

Ela é levada até uma salinha com apenas uma mesa e cadeiras. Espera a visita com a cabeça enterrada nas mãos tentando recapitular o que extamente estava acontecendo.

- Melissa.

Ela tira a cara das mãos. Glen Closet e Ali estão dentro de seus terninhos do outro lado da mesa. Só faltava isso. Se esconde de novo. Quer chorar mas a situação é tão idiota que tem vontade de rir. E morrer. De vergonha.

- O que foi exatamente que aconteceu?

Melissa tenta arrumar o cabelo, olha pruma vaga idéia de horizonte na janela. Não, não tem como explicar.

- Eu não sei.
- O que?
- Eu não sei o que aconteceu.
- Como não sabe?
- A Sra. poderia jogar esse copo d'água na minha cara?
- Você está sob o efeito de alguma substância?
- Não.

Ali joga a água nela. As duas riem.

- Brigada, Ali.
- Não há de que. Foi um daqueles sonhos?

As duas são pegas de surpresa pela pergunta. Uma porque não estava entendendo nada, a outra por ela lembrar da história.

- Eu achei que fosse.
- E não era?
- Parece que não. Vocês estão aqui mesmo? Eu tô acordada?
- Sim.
- Mas tudo anda tão surreal...
- Eu sei.

Glen Closet não é uma pessoa paciente.

- Que sonhos?
- Eu andei tendo uns pesadelos. E ontem a noite me aconteceram coisas tão malucas que eu... Eu achei que tava sonhando.
- Como assim achou?
- Eu sei que é bizarro... Mas sabe quando um sonho é tão real que você acha que tá acordado? Agora imagina que uma realidade é tão surreal que você acha que tá dormindo, entende?
- Não.
- Sim.
- Aí eu pensei, todo mundo anda pelado no sonho e saí andando.
- E onde você estava sem roupa?

A pergunta de Ali soou tão incisiva e pessoal que Melissa desconcerta completamente. Olha pra mesa. Mexe nos dedos, arranca umas cutículas. Mas Glen também quer saber.

- Isso é importante, Melissa. Se você estava numa festa, ou bebendo, ou consumindo drogas, a fiança fica mais cara.

Mel responde quase sem voz.

- Estava dormindo na casa de amigos.

Ali está com ciúme.

- Amigos? Que amigos? E sem roupa?
- Conhecidos.
- Quem são?
- Não importa.

Glen Closet não pergunta, ela dá ordens, já com o bloquinho e caneta na mão.

- Preciso do nome. Agora.
- Leisha Haley.
- Leisha? Que tipo de nome é esse?

Melissa não suporta mais a vontade de sumir.

- Eu já falei o que tinha pra falar. Entendo se vocês não quiserem me tirar daqui. Obrigada por tudo.

Levanta, algemada. Ali tenta segurar.

- Espera.
- Me solta, Ali. Me deixa em paz!

Os guardas chegam.

- Chega de papo, vamo pra cela de volta, se você se comportar pode tirar a roupa pra gente.


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quarta-feira, julho 23, 2008

CLOSET



14.


Uh Huh Her está tocando no Crawling Bitch, o bar perto do escritório. You seem like you're impossible now, you want love, you want me to show you how. Pensando na cena de hoje a tarde ela toma a decisão de parar com isso.

No fim do show Leisha Haley desce do palco e pára no balcão gritando "vodca, vodca!" mas o lugar está tão lotado que todas as barwomen estão ocupadas. Melissa oferece.

- Bebe a minha.
- Obrigada.

Vira.

- Agora preciso te pagar uma num lugar mais tranquilo. Meu apartamento ou seu?
- Eu não tenho um apartamento.
- Decidido.

Pega Melissa pela mão e sai em direção à porta. Melissa segue sem reagir, mas também... Deve ser um daqueles sonhos mesmo, já, já vou acordar gritando. Leisha vira com a mão estendida.

- Leisha.
- Melissa.
- Pode me chamar de Alice, a maioria chama mesmo.
- Não, prefiro Leisha.
- Ok. Você já fez rejuvenescimento vaginal?
- Hã?
- Deixa pra lá. Chegamos.

Entram no apartamento na ponta dos pés.

- Não faz barulho que a Kate tá dormindo no sofá.
- Por que?
- Não sei, achei ela dormindo no elevador antes de ontem com o cachorrinho da Paris Hilton no bolso. Deve ter tomado alguma coisa.
- E o cachorro?
- A Mia tá usando. Entra.

Mal fecha a porta Leisha já joga Melissa na parede. Mel é lenta, mal consegue reagir a um gesto e Leisha já está noutro. A roupa some em menos de três minutos como se tivesse velcro. De repente a porta abre e Jennifer Beals aparece de lingerie verde verde verde muito verde.

- Que susto meu, não entra assim, sem bater!
- Você viu meu terno branco, Leisha?
- A Daniela pegou, queria se fantasiar de John Travolta.
- Saco.
- Pior a Mia que fez meu abajur como corpete e o sutiã da Pam de saia. Agora dá licença que eu tô com a mão dentro da moça?

E pra Melissa.

- Desculpa, babe, mas onde a gente tava mesmo? Indo ou voltando?

Tô demorando pra acordar, Melissa pensa.

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Melissa acorda suando, pra variar. Mas, estranhamente, está numa cama. Levanta e vê uma fresta de luz. Uma porta. Anda devagar, abre e grita.

Laurel Holloman que estava amamentando pula, a boca da criança escapa e o leite jorra por todo lado. Enquanto ela luta tentando colocar o tetão de volta no sutiã ou na boca do bebê, tanto faz, Melissa fala.

- Por favor, me diz que eu tô sonhando.
- Não, sou eu mesma, Laurel. Ou Tina.

Melissa abre a torneira e começa a jogar água gelada na cara. Laurel está toda orgulhosa autografando suas costas com delineador. Precisa sair dali. Está sem roupa mas quem é que nunca andou sem roupa num sonho? Pula a janela do banheiro e anda pelas ruas. Até que um policial a prende por atentado ao pudor. Deitada no catre da prisão Melissa tem certeza de que enlouqueceu.

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terça-feira, julho 22, 2008

CLOSET


13.


Melissa segura a caneca de chá pra esquentar as mãos enquanto deixa a fumaça entrar pelo nariz e olha o quadro de ciclos menstruais na parede, aquilo soando como uma ordem e ela recusando a obedecer mas ao mesmo tempo... Ao mesmo tempo seu nome estava lá. Elas estavam só esperando. Ela iria se juntar às outras, mais cedo ou mais tarde.

Ela vê com o lado do rosto Ali passando pela porta e entrando na sala Amelia Truewoman.

Ela espera se impedir de fazer qualquer coisa.

Ela entra na sala.

Ali está engraxando os sapatos do boneco-marido. Melissa senta no sofá ao lado dele. Ali esfrega com raiva.

- Você cortou o cabelo.
- Cortei. Gostou?
- Gostei.
- Foi pra você.
- ...
- ...
- Senta aqui.
- Eu preciso exercitar minha natureza.
- Essa é sua natureza?

Ali olha pra cima, depois pra baixo, e uma lágrima pinga no sapato brilhante. Joga o pano no chão e senta no sofá entre Melissa e o marido dummy.

- Eu não sei.
- Eu gostei do seu cabelo.

E segura a mão dela debaixo de uma almofada pro boneco não ver.

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segunda-feira, julho 21, 2008

CLOSET



12



12.

Semana seguinte no trabalho ninguém chama Melissa com os olhos. Alice a ignora. Quando se cruzam no corredor nem aquele grunhido que se dá para um colega de trabalho que você já cumprimentou doze vezes acontece. No final do dia um email dela chega à caixa de entrada de Melissa.
Assunto: desculpe.
Corpo do email: eu estava um pouco tonta sábado então não sei se você percebeu a brincadeira. De qualquer forma, ERA UMA BRINCADEIRA. Desculpe.
Melissa escreve de volta um que é isso, claro que era brincadeira, sem problemas e aperta o "send".

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Melissa decide que precisa se exercitar a vai nadar na piscina do bairro. Ela pula na água e nada rápido até o cérebro esvaziar e se concentrar nos azulejos que passam no fundo. Depois diminui o ritmo e sente a água passando pelo corpo. Imagina que é a pele de alguém. Faz tempo que isso não acontece. Vai ver por isso os sonhos. Acelera de novo, foge. Até ficar exausta.
Sai da piscina e vai pro chuveiro. Tem um pouco de eca desses banheiros públicos mas azar. Ninguém morre de micose. E ela toma banho de chinelos. Chega a ser singelo. Nenhuma privacidade, nem boxes nem cortinas separando as nadadoras nuas e Melissa mantendo a reserva nos pés. Imagina se as outras mulheres estariam tão à vontade se soubessem que ela era lésbica. Não que ficasse cobiçando o corpo de qualquer uma mas mulheres héteros não entendem esse conceito. Azar delas.
Então tem uma sensação familiar. Uma presença na nuca. Ali está lá, de maiô e touca, pingando, olhando pra Mel. As duas não se mexem por uns bons minutos até que Ali se dá conta que está de touca, fica vermelha, tira, arruma o cabelo e quase grita.
- Você também nada aqui?
- Primeira vez.
- Tudo tem uma primeira vez né?
Melissa meio que sorri. Ali joga a toalha na cabeça e sai correndo, esbarrando nos bancos do vestiário.
- Ali.
- Que?
Ela continua com a cabeça coberta.
- Os chuveiros são pra cá.
- Eu sei.
- Tira a toalha. Fica mais fácil saber qual é a quente e qual é a fria.
- Correto!
Ali toma banho sem tirar a roupa. Ela sabe que Melissa é gay. Tão óbvia. Depois se veste por cima do maiô molhado pra não ter que ficar pelada. Mel vê tudo pelo espelho e não aguenta.
- Escuta, eu vou sair do vestiário pra você poder se secar e se vestir direito, tá? E não se preocupe porque mesmo sendo gay eu não fico checando qualquer mulher viu?
- Eu sou qualquer mulher?
Uh, babe, e agora? Fica inevitável imaginá-la sem roupa. Pelos braços e pernas, musculosos e desenhados, o resto deve ser bem interessante. Talvez Melissa a checasse sem roupa. Merda.
- Não, não é. Mas é uma mulher hétero e casada. Nós lésbicas temos um mecanismo de censura contra isso. Pode ficar tranquila.
- Como funciona?
- O que?
- O mecanismo.
De louca com uma toalha na cara Ali estava se tornando levemente ousada.
- Ah. Se eu visse você sem roupa, enxergaria faixas pretas nas partes proibidas.
- E você não consegue tirar essas faixas?
A roupa de Ali está transparente de molhada. Melissa luta pra segurar seus olhos numa altura respeitosa.
- Pára Ali.
Melissa pega sua bolsa e sai. Naquela noite sonha com a piscina, os azulejos e Ali, passando lá no fundo. Não sabe que sensação é essa.


...

domingo, julho 20, 2008

CLOSET



11




Segunda é dia de convenção. As funcionárias se reúnem na porta do prédio onde um ônibus vai pegá-las para levar a um desses hotéis resorts onde empresas fazem workshops. Está frio. Melissa esquenta as mãos num copo de café. Ali está ao seu lado.
- Você estea com olheiras.
- Dormindo mal.
- Quer corretivo?
- Não, obrigada.
- Uma moça não deve andar por aí com essa cara.
- Eu tenho alergia.
- Hm. Tá preocupada?
- Não.
- Por que não dorme?
- Ah, tenho tido uns sonhos estranhos.
- Pesadelos?
Melissa pondera.
- Não exatamente.
- Então o que?
Pondera de novo.
- Pesadelos mesmo.
- Toma água de Melissa.
Ali pensa um segundo e cai na risada.
- Água de você mesma!
Riem juntas. O ônibus chega. Na viagem de duas horas Ali dorme e cai no colo de Melissa. Ela deixa. Quando a outra acorda finge estar dormindo pra evitar constrangimentos. Mas sente que está sendo olhada. Os olhos de Ali têm mãos.
No hotel, depois do ritual de fechar os olhos e se deixar cair de costas nos braços das colegas, Glen Closet introduz o primeiro exercício do treinamento.
- Muito bem meninas, agora vamos a uma simulação de autoridade. A situação é a seguinte: você está numa reunião com um possível cliente. Em uma frase, você tem que convencê-lo a trabalhar com a nossa empresa. Qual é essa frase? Quem começa? Melissa?
Melissa levanta, alisa a roupa, braços ao lado do corpo, estufa o peito e com um ar de segurança diz:
- Senhor Shimizu, eu sou formada em direito com duplo A em Cambridge e tenho PHD em relações internacionais em Harvard, por isso fui aceita na respeitada Closet & Closet Associadas. Adoraríamos poder ajudá-lo.
- Muito arrogante, não.
- Sr. Shimizu, o seu caso é apaixonante e adoraríamos desenvolvê-lo em parceria.
- Muito emocional.
- Sr. Shimizu, sua empresa tem potencial para adquirir o valor líquido de bilhões em fusões baseado num investimento de 3% deste valor em desenvolvimento de marca...
- Não, não. Naty?
- Sr. Shimizu, meu marido disse que eu sou uma boa advogada. E ele é formado em Cambridge.
- Ótimo, mas foram duas frases. Paty?
- Eu fui aluna do renomado Professor Bruce Norris e ele sempre me deu notas acima da média.
- Perfeito. Katy?
- Katy debruça sobre a mesa, dois botões da camisa abertos.
- Gostou do meu pingente de jade, Sr. Shimizu?
- Brilhante. Ali?
Ali parece apavorada. Olha pra Melissa, gagueja.
- Eu tenho duplo A em Cambridge...
Silêncio.
- ... Na classe do Professor Johann Pussysmasher.
- Muito bem.
Melissa olha pra Ali. Ali não olha de volta.


xxx


A tarde fora longa. "Homens a citar", "Concordância Passivo-agressiva", "O que você merece" foram algumas das enriquecedoras palestras. A noite drinks e petiscos na piscina. As garotas se espalhavam numa longa mesa e derrubavam todo o gim do estado. Estava até divertido, leve, um festival de bobagens. Ali diz:
- Posso tocar suas mãos?
O som não mudou, os pescoços não viraram mas todas as órbitas oculares olharam pra elas. Melissa estende a mão. Ali toca como se estivesse reconhecendo uma forma nova da natureza.
- Eu estou apaixonada por você.
- Hahaha.
- Casa comigo?
- Eu não posso te dar filhos.
- Tudo bem.
Melissa está nervosa com a situação, sem saber se Ali fala sério ou não. Por via das dúvidas, faz um teatro de piada.
- Hahaha.
- É verdade.
- Ali.
- Tô apaixonada. Fico pensando o tempo todo como você é sofisticada, inteligente, independente, bonita
- Pára.
- Eu sei.
Tudo isso sem largar a mão. Mas Melissa finalmente encontra uma desculpa pra tirar. Se serve de água. Ali não desiste.s
- Me dá sua mão de novo.
Tentando disfarçar Melissa toca na mão de Ali, tira rápido e ri. Ali fica séria.
- Como era sua namorada?
- A última?
- É.
- Um pouco mais alta que eu. Mesma idade. Mais informal. Às vezes parecia um rapaz.
- Você gosta assim?
- Mulheres?
- É. Que pareçam rapazes?
- Em geral sim.
- Você gosta de se sentir a mulher, a namorada?
- É, acho que sim.
- A esposa?
- Pode ser.
- Por que não deu certo?
- Não sei. Talvez eu seja esposa demais. Talvez não seja o suficiente. Talvez não tenha nada a ver com isso e seja só o tempo.
- Você gosta de mim?
- Como assim, Ali?
- Gosta?
- Gosto, ué, você é uma pessoa legal.
- E casada...
- Heterossexual.
Acaba o assunto.


...

quinta-feira, julho 17, 2008

CLOSET


10



Saindo do banheiro Mel não vê ninguém conhecido. Onde as meninas foram parar? Vai até as mesas de sinuca. Espia na sala do fliperama. Nada. Ainda tem meia cerveja. Pessoas dançam. Mel também. Uma ruiva de powersuit vem dançar com ela. Chega perto. Preocupada em ser vista pelos colegas, Mel dá um passo pra trás. A ruiva insiste. Mel recua. Vira uma coreografia, quase um tango. Até que a ruiva a encurrala.
- Oi, eu sou Taty, do RH, ainda não fomos apresentadas.
- Melissa.
- Mely.
- Melissa.
- O prazer é todo seu.
- Seu?
- Não, seu mesmo.
Taty joga Melissa sobre o fliperama. Quando ela vai tentar levantar Glen Closet aparece e segura seu braço direito. Roberta Closet segura o esquerdo. Naty, Paty e Katy desabotoam sua blusa e lambem e chupam todo o seu corpo. Taty abre suas pernas e a penetra com o dedo, contando.
- Um.
Dois dedos.
- Dois.
Mais um.
- Três.
Melissa está apavorada demais pra sentir qualquer coisa.
- Quatro?
- Não!
Ali olha tudo sem fazer nada. Depois cobre os olhos de Melissa com a mão.
- Você gosta, Mel, sente.
No escuro você só pode sentir.
- Você gosta de quatro.
As três línguas são como uma só, gigante, gorda, macia, quente, molhada.
- Vocé gosta de quatro?
A mão sobre seus olhos tem um cheiro bom.
- Gosta?
- Gosto.
- Quatro.
É assustadoramente excitante. Ela abre mais as pernas.
- Quer mais?
- ...
Cala e consente. Prefere não contar mais. Dói e é bom. Seu corpo pula, sua cabeça joga pro lado e escapa da mão de Ali. Ela vê, sobre a outra máquina, a Jodie Foster dizendo:
- O que estão fazendo com a gente?
É quase uma convulsão. Melissa senta gritando. Tudo escuro. Um grilo. Um poste com uma luz oscilante. Uma árvore. Um ponto de ônibus. A direção do seu carro. Mais um sonho. Olha no relógio. 3:00. Quase domingo. Há quanto tempo não pensava na Jodie Foster?

...

quarta-feira, julho 16, 2008



me of the day

terça-feira, julho 15, 2008


Me of the day

segunda-feira, julho 14, 2008



nos amamos tenis e tenis nos ama.

domingo, julho 13, 2008



me of the day

quinta-feira, julho 10, 2008

CLOSET


9




No fim da tarde Ali chama com os olhos. São muito azuis.

- Drinks!

Vão todas para um bar. Bebem como vikings. Melissa se divide entre acompanhar e se manter sóbria. Decide por um mínimo de compostura. A mulherada cerca a mesa de sinuca, mas ninguém ousa jogar. Melissa e Ali sobram sentadas.

- Então, Melissa, porque você veio pra Womanhattan?
- Me pareceu um bom lugar pra morar, trabalhar.
- Veio sozinha?
- Sim.
- Não tem marido, namorado?
- Não.
- Por que?
- Eu tinha. Mas sei lá, não deu certo.
- Homens... Difícil, não?
- Na verdade era uma mulher.
Ali não cospe o Martini mas fica verde. Engole muitas coisas e diz:
- Ah que legal. eu tenho vários amigos... Assim. O importante é o amor, né?
- É.
- Quer dizer, paixão é fácil, todo mundo pode ter várias, mas amor é diferente. Não é o máximo quando você acha aquela pessoa que você sabe que vai passar a vida inteira ao seu lado? Não aquela loucura, aquela coisa descontrolada, mas aquele amor calmo, estável, que você pode contar. Não é ótimo?
- Não sei.
- Nunca encontrou?
- Já. Mas não sei se é ótimo.
- Como não?
- Será que não tem as duas coisas juntas?

Ali não responde. Melissa não diz nada. Ninguém mais fala nada que faça sentido pelo resto da noite,

quarta-feira, julho 09, 2008

CLOSET


8




Dia seguinte, hora do almoço, de novo aquelas olhos cutucando.

- Oi Ali.
- A gente tá indo almoçar no shopping, quer ir?
- Ótimo, quero.

Melissa chega na mesa da praça de alimentação por último e senta já salivando. Naty pergunta:

- O que é isso?
- Isso o que?
- No seu prato.

Melissa inspeciona preocupada, esperando uma barata, um cabelo.

- Onde?
- Isso.
- Cheeseburger?
- É.
- É um... Cheeseburger.

Silêncio constrangido. Melissa repara que todas pediram salada ceasar. Ali resolve quebrar o gelo inexplicável que se formara.

- Ah, é bom variar de vez em quando. Posso roubar uma batata?
- Claro. Quantas quiser.
- Não, só uma tá bom, brigada.

Ali come a batata em cinco mordidas, Melissa coloca duas na boca de uma vez. No meio da refeição nota Ali olhando pro seu almoço. Pega uma batata, lambuza no ketchup e diz:

- Come se você é mulher.

Choque generalizado. Ali fica indecisa. Como lidar com esse argumento?

- Assim você não me deixa saída.

E come. Minutos depois, quando as outras já tinham esquecido o incidente, Melissa pega Ali a observando meio comovida. As duas dão um sorriso cúmplice.


xxx

Na sexta de manhã Melisa entra no banheiro e cruza com Glen Closet saindo. Roberta Closet está lavando as mãos. Pelo espelho Melissa comenta.

- Está errado.
- Como?
- A camisa. Abotoada errado.
- Ah.

E sai sem arrumar.


xxx

terça-feira, julho 08, 2008

CLOSET


7



Primeiro dia de trabalho. Nervosismo, meia calça e maquiagem leve. Glen Closet recebe Melissa pessoalmente e a leva até o seu escritório. Um escritório só seu?

- Nossos clientes gostam de privacidade. Na primeira gaveta você vai achar um envelope lacrado com seu e-mail, senhas, contrato de trabalho e o Juramento Cruise.
- Juramento Cruise?
- Só um nome pomposo para um acordo de confidencialidade. Todas as empresas têm um, você sabe.
- Claro.
- Instale-se, leia, assine e deixe no RH, fim do corredor. Bem-vinda.

Glen Closet sai e Melissa começa os procedimentos. Está na metade dos documentos quando sente um olhar. Uma das garotas está parada na porta com cara de esperando.

- Alice.
- Ali.
- Ali.
- Você sabe o onde é o banheiro?
- Não, eu sou nova aqui.
- Não, eu sei... Eu quis dizer, quer que eu te mostre onde é o banheiro, o café? Quando eu cheguei ninguém me disse e eu passei três semanas fazendo xixi no vaso da planta do meu escritório. Foi a única vez que ela deu flores amarelas.

Ali ri, mas pára rápido.

- A minha sala nem tem vaso.

- Então melhor você vir comigo. Ou você prefere usar as gavetas?

Melissa olha pras gavetas.

- O cesto de lixo?

Melissa olha pro cesto de lixo.

- Vem comigo, vem. Só pra você saber onde fica. Vai que alguém pergunta.

As duas sorriem. Andam pelos corredores. Ás vezes Ali abre alguma porta e dá alguma explicação.

- Aqui é o banheiro dos homens Só que como nenhum homem trabalha aqui está sempre vazio. Você pode usar em alguma emergência mas não deixa ninguém ver senão você tá na rua.
- Por que?
- Porque é masculino, ora.

Isso não é exatamente uma explicação mas Mel deixa pra lá.

- Esse é o feminino, todo rosa, não é lindo? Aqui tem absorventes, camisinhas, anticoncepcionais e pílulas do dia seguinte à vontade.
- Pílulas do dia seguinte?
- Pra evitar uma gravidez, caso tenha escapado na noite anterior, sabe como são os homens com essas coisas de camisinha, gozar fora... Só tem uma ocasião que eles realmente gozam fora: de casa! Hahaha, entendeu? Gozam fora... De casa! Mas eles são diferentes mesmo, precisam de uma pombinha nova de vez em quando, né?
- Não sei.
- Claro que sabe. Aqui ao lado é o café...

Mas Melissa ainda está perplexa olhando um dos envelopinhos de comprimidos. A data de validade é novembro de 98.

- Funciona, sabia? A empresa exist desde 48 e nunca ninguém ficou grávida. Vem.

O café parece o quarto de uma criança japonesa. Absolutamete tudo tem a cara da Hello Kitty.

- Não é uma fofura? Você pode se servir de chá, café, leite e gim a vontade. Aqui nesse quadro - tá vendo que já tem seu nome? Aqui você anota sempre o dia que ficou menstruada. Quando seu fluxo regular com o nosso você ganha um pingente de ouro e rubi que nem esse.

Ela mostra um mini O.B. dourado com uma pedrinha vermelha na ponta pendurado numa correntinha. Melissa se pergunta por que no universo desejaria um desses. Decide mentir sobre a data do seu ciclo.

- Aqui fica a sala Amelia Truewoman. Você vai adorar. Ops, tá ocupada. Pode espiar, mas não faz barulho.

Lá dentro tem uma pia cheia de louças, fogão, tanque, máquina de costura, um manequim masculino sentado num sofá fumando um cachimbo e o som constante de crianças chorando. Uma das funcionárias que conheceram no golfe, Naty ou Katy, está usando a sala. Ela está com o peito enfiado na boca de um bebê de plástico enquanto uma máquina com um braço mecânico lhe dá uns tapas na cara.

- O que é isso, Ali?
- Você sabe que deus não nos fez pra trabalhar fora mas a gente precisa. E a vida corporativa pode ser muito estressante pra nós. Então quando alguém sente que vai perder o controle vem pra cá passar algumas horas fazendo o que a natureza nos designou.

Melissa não consegue dizer nada mas seu olhar deve estar sendo eloquente porque Ali insiste.

- É bom mesmo, funciona, você precisa experimentar.

Quando o tour termina Melissa fecha a porta do escritório para pensar. Que diabos de lugar era esse?

...

segunda-feira, julho 07, 2008

CLOSET



6




Sábado à noite Melissa não consegue dormir direito. Está de ressaca dos dry martinis. Tomara quatro. As outras derrubaram meia dúzia cada. Frita desconfortável no banco do Chevrolet. Precisa arrumar um apartamento. Mas isso soa como uma traição ao carro. Ele é tudo o que ela tem.

Desiste de dormir e decide fazer uma faxina no veículo. Se ele é sua casa merece ser tratado como tal. Escova os bancos, retira o lixo, lava os tapetes de borracha. Espana os recantos do painel, passa um pano com veja nas portas e no teto. Limpa as janelas com Vidrex. Abre a mochila e dobra as roupas amarrotadas. Organiza pilhas de camisetas e blusas no espaço entre o banco e o vidro de trás. Camisas, casacos e ternos ficam em cabides nos puta-merdas. Sapatos debaixo de um banco, livros e o laptop debaixo do outro. Toileteries no porta luvas, comida embaixo do porta luvas. Ela tem um pedaço de madeira que encaixa sobre o porta-luvas aberto e funciona como mesa. Improvisa uma toalha de mesa a partir de um pano de prato. Uma garrafinha de Coca-Cola vazia ganha água, duas margaridas e o status de vaso no console ao lado do câmbio.

Três horas depois ela deita no banco do motorista e olha a sua volta. Precisava comprar cortinas.Dorme.


xxx


- Moça.

Toc, toc, toc. Melissa está no fundo de um sono.

- Moça.

Entreabre os olhos. Um policial bate no vidro. Um daqueles de filme pornô dos anos 70, de bigode, capacete, óculos escuros e calça justa.

- A senhora abra a janela por favor.

Melissa demora pra reagir.

- O que foi?

Ele se afasta do carro devagar. Pára com as pernas abertas. O volume na sua calça é tão grande que quase dá pra sentar nele. Ele se certifica de que foi notado antes de falar.

- Você não pode parar aqui.
- Segundo a placa eu posso.
- Estacionar sim. Morar não.
- Eu estou esperando meu namorado.
- Ah. E onde ele foi?
- ...
- Desce do carro.

Melissa bufa, esfrega os olhos e desce contrariada.

- Vira e coloca as mãos sobre o capô.
- Mas eu não fiz...
- VIRA E COLOCA AS MAOS SOBRE O CAPO.
- Ok, ok...

O guarda usa o cacetete par indicar que separe as pernas. E começa a revistá-la. Melissa protesta.

- Pra me revistar tem que chamar uma oficial feminina.

O policial tira o capacete e, como num comercial de shampoo, revela longos e sedosos cabelos loiros. Tira os óculos. É uma mulher. Mas o bigode e o volume na calça continuam lá.

- Vira. Coloca as mãos sobre o capô. Agora.

Melissa tenta não obedecer mas é impossível. A policial retoma a revista passando as mãos languidamente por suas pernas, pelo interior das suas coxas, glúteos, quadris. Segurando assim a policial encosta o volume, aperta o volume, esfrega o volume. As garras da lei sobem por dentro da sua blusa e a seguram pelos seios. Melissa mesmo desabotoa a calça da policial e a guia para dentro. A mulher/homem se debruça sobre suas costas e ela sente os cabelos de mulher, o bigode na nuca, os seios nas costas, o pau a comendo por trás, toda aquela autoridade sobre ela.

Acorda no meio do orgasmo.

Tenta recuperar o ar, secar o suor e se localizar. É noite, ninguém por perto, nenhum carro de polícia. Melissa pensa que está ficando louca. Que merda é essa com esses sonhos? Sai do carro, sente o vento, tenta se refrescar um pouco. Pega uma garrafa de vinho no porta-malas, um maço de cigarros. São 4:30 da madrugada. Mas não quer dormir de novo. Chega de sexo por hoje.


...




achei que esse video tinha a ver com o capitulo de hoje.

domingo, julho 06, 2008

CLOSET


5



Melissa chega ao Dana Fairbanks Country Club, um casarão enorme, antigo, sóbrio, cercado de jardins e com cara de mal assombrado. Esnobe. Um mordomo a encaminha até Glen Closet e sua entourage. Todas de laquê.

- Olá, Melissa. Essa é minha sócia Roberta Closet e essas são nossas colaboradoras Paty, Katy, Naty e Alice. Não sei de onde ela tirou esse nome esquisito.
- Ali.
- Muito prazer.
- Muito prazer, dizem todas juntas.
- Que tal um swing?
- Como?
- Pro green. Você começa.

Melissa está nervosa, mas a sorte e o vento ajudam. Ela não ganha mas também não dá vexame. Depois da partida vão todas para o bar do clube bebericar dry martinis. Mrs. Closet propõe um brinde.

- Melissa, você provou que é boa de buraco. Bem-vinda à Closet & Closet Associados.

Todas brindam e riem artificialmente. Melissa comenta com as sócias, tentando demonstrar interesse.

- Vocês são parentes?
- Nós não somos nada, entendeu? Nada! Tudo não passa de fofoca!

A reação é constrangedora. Melissa se pergunta como ela é capaz dessas coisas. Está contratada há 27 segundos e já dera uma gafe. Resolve mudar de assunto.

- Vocês já foram naquele torneio de golf famoso…
- QUAL? Perguntam todas apavoradas.Melissa pensa rápido.
- O PGA. Masculino.
- Ah, diz Closet aliviada.
- Não, diz Closet quase preocupada.

Melissa cala a boca.


>>>

quinta-feira, julho 03, 2008

CLOSET



4



Na calçada Melissa pensa que precisa achar uma loja de artigos esportivos. Não joga golfe há anos e deixara sua indumentaria na casa da ex. A mulher laranja devia estar usando.
- Pois não, diz a moça da loja.
- Preciso de sapatos de golf, Mel diz. E luvas.
- Claro. Por aqui. Você é 44 ou 35?
- 35.
- Ótimo.
Mel prova os sapatos e escolhe uma luva.
- Vou levar.
- Sem experimentar?
- Já experimentei.
- A luva não.
Melissa começa a colocar a luva na mão esquerda mas a vendedora segura seu braço.
- Não, no provador.
- Mas é só uma luva…
A outra a ignora e a espera no provador segurando a cortina aberta.
- Veste a luva e me chama para ver como ficou.
Fecha a cortina. Melissa obedece achando tudo muito estranho. Percebe pelo espelho os olhos da vendedora a espiando pela fresta. Contagiada pela sensação de não ter endereço nem emprego nem amigos nem qualquer laço com a cidade, decide jogar. E não estamos falando de golf.
Ela coloca a bolsa no chão e deposita a luva no banco do provador. Se movendo devagar, tira o blazer e desabotoa a camisa. Os olhos continuam lá, no espelho. E nela. Abre o zíper e deixa a saia cair no chão. Assim, de lingerie e meias pretas, pega a luva para experimentar. Vê a cortina abrir.
- Serviu?
- Sim.
- Apertada?
- Um pouco.
- Deixa eu ver.
Por trás a vendedora enfia a mão na calcinha, direto pra dentro de Melissa,
- Apertada.
Melissa respira fundo e fecha os olhos.
- Mas entra.
A vendedora entra.
- E sai.
A vendedora sai.
- Viu?
A vendedora rasga a meia, a calcinha e diz:
- Eu gosto apertada.
Melissa joga a cabeça para trás e se deixa entrar e sair, cada vez mais facilmente.


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Melissa acorda ofegante e suada, com a própria mão entre as pernas. Outro sonho. Sua vida sonhada andava uma putaria. Melhor levantar. Tinha que acertar algumas bolas em algumas horas.

quarta-feira, julho 02, 2008

CLOSET



3



- O ônibus!

Melissa acorda suada e gritando.

- Que ônibus?

Era um sonho. Ela recupera o fôlego. Olha pro lado, pra cama. Daniele não está ali de novo. Senta. Olha pro armário, depois pra si mesma no espelho ao lado, depois pro armário de novo. Levanta, coloca suas roupas numa mochila e vai até o mirante de Fannypack Hills. Até o topo e olha com força. Nunca na vida estivera num lugar tão lindo. Tinha que ir embora.


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O sonho a perturbou um pouco por isso Mel não pegou um ônibus. Esperou a loja de carros usados abrir e comprou um Chevrolet antigo e barulhento que o vendedor jurou que era capaz de dar duas voltas ao mundo sem quebrar. Jogou sua mala no banco de trás, colocou uma foto sua no pára-sol e se sentiu em casa.


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Na recepção, vestida num tailleur e com o cabelo preso num coque, maqiagem discreta e segurando uma ficha de emprego, Mel pensa em como preencher o campo “endereço”. Pois é, estava na cidade há três semanas e continuava morando no carro. Antes que chegasse a uma conclusão uma loira de laquê aparece com a mão estendida.

- Closet. Glen Closet, prazer. Me acompanhe por favor.

Apertam as mãos e vão para um escritório enorme, sóbrio, cheio de livros em estantes de madeira escura, A parede de trás era inteira de vidro, revelando uma vista poderosa da metrópole.

- Sente-se por favor…
- Melissa.
- Melissa. Pela sua ficha vejo que você tem bastante experiência em direito internacional.
- Eu tive a sorte de trabalhar com bons clientes.
- Vejo também que você deixou o campo “endereço” em branco.
- Eu sou nova na cidade e ainda não aluguei um apartamento.
- Mas onde você fica?
- Num flat.
- Qual?
- Chevrolet.
- Nunca ouvi falar.
- Nem deveria. Serviço péssimo. A senhora acredita que ontem a noite pedi jantar no quarto e até agora não chegou?

Melissa se pergunta por que dissera tamanha asneira. Tem vontade de rir. Crava as unhas na perna para evitar.

- Quantas línguas você conhece?

Melissa fica vermelha.

- Quatro.
- Importante. Temos muitos clientes estrangeiros. Come arroz com shoyu?
- Não, isso ofenderia um cliente japonês.
- Funga o nariz?
- Nunca.
- Joga golfe?
- Claro!

Se arrepende da ênfase. É analisada longamente pela mulher do outro lado da mesa.

- Jogamos amanhã de manhã, Dana Fairbanks Country Club. Faz parte da entrevista.

terça-feira, julho 01, 2008

CLOSET


2



Depois de 4 horas o ônibus pára num desses postos de beira de estrada com banheiros de 400 portas e buffets de coxinha. As pessoas têm o cabelo amassado pelas horas de viagem.
Melissa anda devagar na fila da comida empurrando sua bandeja mas sem ver nada que queira colocar nela. Vai ao banheiro. Sai. Acende um cigarro. Perambula por trás do prédio onde é mais silencioso. Uma borracharia. Os mecânicos almoçam na sombra de uma árvore. Ouve uma voz feminina,
- Já trocou o oleo hoje?
- Na verdade já.
- E o filtro?
- Não, esse não.
- Talvez esteja precisando.
- Talvez.
A mulher está suada, suja de graxa, vestindo uma calça de mecânico e uma regata branca.Com os dedos e unhas pretos puxa Mel pela mão e a faz sentar na plataforma que levanta os carros. Aperta um botão vermelho e espera com os braços cruzados a plataforma subir até a altura do seu rosto. Tira o jeans e a calcinha de Melissa.
- A lubrificação me parece boa.
Com um puxão quase derruba Mel da plataforma e a beija, só que não na boca. Melissa quer gritar. Primeiro se pergunta se os mecânicos estão vendo, depois se responde que foda-se e se deixa beijar. Não na boca. Goza se imaginando num calendário de parede.
Quando consegue reabrir os olhos a mecânica tira a regata e revela, cobrindo suas costas, uma tatuagem de um rosto de mulher. Melissa olha mais de perto, percorre os traços com a mão. Começa a reparar algo estranho. A tatuagem se parece com ela. Parece não, é o seu rosto. Como assim? A borracheira ainda fala.
- Você precisa voltar aqui. E a cada volta vou prestar atenção numa parte do seu corpo. Hoje posso tatuar seus lábios. Quando acabar por fora, quero ver seus órgãos.
- Tenho que ir.
Melissa corre, mas é tarde demais. Perdera o ônibus.


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